domingo, 22 de março de 2015

O Beijo de Schiller: Cezar Tridapalli em veredas polifônicas


                        (Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Agosto 2014)


Superar ou manter a qualidade do primeiro livro é uma tarefa árdua e, muitas vezes, ingrata. É bastante comum entre escritores iniciantes o inverso, ou seja, renegar o primeiro livro e nunca mais reeditá-lo. Quando se publica o primeiro livro muito cedo esse é um risco que se corre. Caso de vários escritores, como Moacyr Scliar, Dalton Trevisan, Cristovão Tezza, Mariel Reis e inclusive este narrador.

Quando a primeira obra de algum escritor já foi escrita com certo domínio formal e estético a situação é diferente tanto para o autor da obra quanto para seus leitores. Caso de Carlos Heitor Cony com O Ventre, Almeida Faria (escritor português que publicou seu primeiro romance, Rumor Branco, aos dezenove anos, e foi muito bem aceito pela crítica), António Lobo Antunes com Memória de Elefante e o escritor curitibano Cezar Tridapalli com Pequena biografia de desejos, que publicou recentemente seu segundo romance, O Beijo de Schiller, vencedor do Prêmio Minas Gerais de Literatura 2013 (Arte e Letra, 272 páginas).

Cezar Tridapalli faz parte de uma prolífica geração de escritores contemporâneos que estão assumindo certa identidade literária nas narrativas mais longas, algo não muito comum em Curitiba ultimamente. Fora Cristóvão Tezza, que já é conhecido nacional e internacionalmente, temos em Curitiba bons romancistas não muito conhecidos do público, como Paulo Sandrini, Rui Werneck de Capistrano e Cezar Tridapalli, que têm obras relevantes não só no cenário local, mas são nomes que se enquadram na moderna narrativa brasileira.

Em O Beijo de Schiller, Tridapalli mistura vozes em uma trama intrincada e original, na qual há um flerte com o nonsense. Seu protagonista, Emílio Meister, é um escritor curitibano reconhecido pela crítica que atravessa uma crise em seu casamento e tem uma péssima relação com sua filha. Na volta de uma viagem a Santa Catarina, Emílio e sua esposa, Eugênia, são sequestrados por um jovem delinquente que passa a conviver com o casal em sua casa em Curitiba. À medida que o tempo vai passando o casal passa a aceitar a presença do jovem sequestrador em seu cotidiano e desiste de tentar descobrir o motivo pelo qual o jovem os sequestrou. O sequestrador parece devolver, inconscientemente, certa noção de ordem e paz ao casal atormentado pelo cotidiano.

Paralelamente à história de Emílio Meister e de seu sequestrador, há a história de Luka, protagonista do romance que Meister está escrevendo. Luka é um jovem arquiteto de 25 anos com orientações homoafetivas extremamente tenso e ainda virgem. Luka sente-se atraído por homens e mulheres, e durante as intervenções da história de Luka na história de Meister, notam-se fortes elementos sobre o fazer literário que são muito bem explorados por Tridapalli.

Como a relação de Meister com Eugênia é extremamente conflituosa, repleta por fortes embates, acusações, desafios intelectuais e discussões, vários dos impropérios que Meister dirige à Eugênia aparecem no romance que escreve. Um dos elementos mais bem explorados por Tridapalli é exatamente a metaliteratura, que forma um painel narrativo bastante denso. A polifonia torna O Beijo de Schiller um romance bastante original, pois vários dos encaminhamentos narrativos de Tridapalli foram escolhidos na medida certa, sem malabarismos estilísticos irresponsáveis. Obra de extremo valor estético escrita por um verdadeiro cultor do bom gosto, O Beijo de Schiller é um dos romances mais relevantes deste ano.  

Nenhum comentário:

Postar um comentário

ESTRELA DIFUSA

  O tempo é o fator que talvez possa explicar melhor algumas coisas que simplesmente não escolhemos; ou melhor, insistimos em dizer que não ...