sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

TERRA INCÓGNITA (II): TEOLINDA GERSÃO - A ÁRVORE DAS PALAVRAS E SEU MOMENTO NEVRÁLGICO

 
 
 
A literatura africana de língua portuguesa na última década tem colocado em evidência alguns nomes como valter hugo mãe, Filipa Melo e principalmente Mia Couto. Depois da publicação do romance O outro pé da sereia (2002) de Mia Couto, alguns autores africanos de língua portuguesa têm sido publicados no Brasil com frequência. Alguns escritores portugueses que de alguma forma retrataram os conflitos entre as colônias na África e Portugal, como António Lobo Antunes, Lídia Jorge, Almeida Faria, Teolinda Gersão e vários outros, também despertaram interesse em alguns leitores brasileiros, geralmente estudantes de letras. Ainda falta muito para que o público leitor daqui se interesse, em larga escala, por esses autores um tanto desconhecidos.

Um dos nomes mais originais dessa gama de escritores portugueses contemporâneos é Teolinda Gersão. Teolinda Gersão nasceu em Coimbra em 1940, e foi em Coimbra onde formou-se em Letras Germânicas. Atuou como professora de literatura portuguesa e alemã em cursos de letras em Portugal, Brasil e Alemanha. Com a publicação de A casa da cabeça de cavalo (1995) Teolinda passou a dedicar-se exclusivamente à literatura.

O romance A árvore das palavras (1997), obra mais relevante da autora, apresenta uma espécie de mosaico narrativo no qual vários narradores se alternam entre os capítulos. Gita é a protagonista que, ainda menina, narra tudo o que vê com um olhar fantástico, com forte apelo sensorial de uma infância marcada por mudanças sociais e políticas em um país que luta por independência. Mas aos poucos, conforme a narrativa (ou narrativas) vai avançando, nota-se que a independência não é apenas o desejo de Moçambique tornar-se livre de Portugal, mas sim despir-se de preconceitos arraigados em todas as classes sociais.

Em várias passagens do romance Gita se refere às "casas preta e branca", atribuindo especificações bastante características a cada uma delas. Essa segregação que desde cedo fez-se evidente em sua vida, serve como um microcosmo de toda África. Há de se levar em consideração duas personagens fundamentais do romance: Amélia, a mãe branca de Gita, e Lóia, uma espécie de ama-de-leite. Amélia representa a classe média portuguesa decadente que não é aceita em nenhum lugar, nem em Portugal, por isso aceita casar-se e se mudar para Moçambique, nem em África, que em meio à guerra é apenas uma empregada das damas da classe média de Lourenço Marques que não aceitam o fato de que é casada com um negro. Amélia traça um perfil geral da África e não gosta do que vê, por isso não se sente em casa em lugar algum. Amélia é um ser provisório em constante crise existencial.

Por outro lado, Lóia é a personificação da pureza e ingenuidade tão marcante na infância de Gita, que ecoa por toda sua vida. Tanto que Gita, involuntariamente, substitui a presença materna de Amélia por Lóia. Lóia, negra, pobre e não pertencente a nenhuma classe social aos olhos de Amélia, representa todo um povo oprimido e sedento por liberdade, mas que ainda não tem conhecimento de sua força.
 
Durante todas as pequenas narrativas que compõem o romance há um evidente tom intimista que ajudado pelo foco narrativo em primeira pessoa, confere uma poeticidade singular à narrativa de Teolinda Gersão. Em vários momentos Gita assume estar narrando uma história, o que a torna uma narradora não muito confiável com relação ao que afirma ser verdadeiro. Artifício muito bem explorado por Teolinda que deixa que o leitor percorra esses meandros poéticos e lacunas deixadas por ela.

A árvore das palavras é um romance de formação que tem como protagonista, além de Gita, a própria África. A cidade de Lourenço Marques (atual Maputo) é descrita como um espaço de contrastes bastante evidentes muito bem representados, principalmente, pela metáfora das casas branca e preta. Romance forte e muitíssimo bem estruturado, A árvore das palavras chama a atenção, principalmente, por sua forte carga poética, e é exatamente com esse tom poético que Teolinda Gersão atinge seu momento nevrálgico na literatura.  
 

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