quinta-feira, 7 de julho de 2022

VERTIGEM GERAL, de Geise Pereira

 



Os primeiros nomes mais relevantes na literatura que povoaram meu imaginário de jovem leitor foram Gertrude Stein e Clarice Lispector. Muito cedo fiquei vidrado na atmosfera daquela mulher que concentrava ao seu redor toda uma geração de artistas que estavam em busca de sua linguagem própria e de alguém que lhes proporcionasse espaço e meios. 

Stein assumiu o papel de agitadora cultural, além do de escritora, inserindo boa parte dos escritores da chamada Geração Perdida, como Hemingway, Fitzerald e artistas diversos como Picasso, Modigliani e outros, no tumultuado circuito artístico da Paris do início dos anos 20. Isso para mostrar a relevância da artista que venceu muitas barreiras em um contexto não muito favorável às questões feministas e LGBTQIA+ (quase um século antes de existir a terminologia), sendo Stein uma mulher lésbica vivendo com sua companheira, Alice B. Toklas, em um país que não era o seu.

Clarice Lispector foi a segunda escritora de grande impacto, sobretudo depois de me deparar com as agruras e peripécias de Macabéa, no genial A hora da estrela. A potência da prosa de Clarice  é impressionante desde Perto do coração selvagem, um romance juvenil, mas que já anunciava uma nova voz na literatura brasileira. Há de se levar em consideração também o contexto no qual a escritora estava inserida, extremamente conservador, misógino e sexista, mostrando uma escritora sempre atenta ao seu contexto e situação do Brasil.

Pensando em grandes escritoras, me deparo recentemente com o livro de estreia (o que tem acontecido com certa frequência) da poeta paulista Geise Pereira, Vertigem Geral, lançado em 2021 pela Editora Ipêamarelo. Geise participou de quatro antologias antes de publicar seu primeiro trabalho solo.

Vertigem Geral é um mergulho em nosso terrível tempo presente. As diversas vozes que permeiam o volume convergem para um fim comum: tomar posição diante dos muitos tipos de autoritarismos que enfrentamos diariamente. Há a mulher reprimida não apenas por um parceiro violento e abusivo, mas por toda sociedade (podemos citar como exemplo o grito de igualdade e deboche no poema Bela, recatada e do lar), ou Brasil 2018 (poema que abre o livro), ou o poema visual sem título que brinca com a palavra Luta, bem no meio do volume e os exemplos continuam. Inclusive a questão visual é muito relevante no livro todo. Um dos pontos altos é o ótimo Presente no passado, com  seus versos quebrados e literalmente saltando na página, remetendo ao célebre Un Coup de Dés, de Mallarmé.

O livro como um todo, fora seu forte caráter político, traz reflexões sobre o próprio corpo, como uma espécie de poética sinestésica do toque, do cheiro, do visual. Na primeira orelha do livro há mais um flerte visual que, em alto-relevo, prenuncia: "POESIA É TOQUE". Ou seja, Geise não se esgota em uma poesia epidérmica, simplista e panfletária; pelo contrário, sua poética do caos, com toda uma consciência do labor literário como produção de linguagem antes de qualquer coisa, é seu leitmotiv em todo Vertigem Geral

Os pouco mais de cinquenta poemas que compõem o livro já anunciam uma poeta que inicia a caminhada literária com o que há de melhor na literatura: potência de linguagem e originalidade.


Serviço:


Vertigem geral (poesia)

14x21

72 páginas

R$ 35,00

Editora Ipêamarelo

www.editoraipeamarelo.com.br

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