sábado, 16 de setembro de 2023

Atmosfera das grutas, de Daniel Osiecki

 






O médico-poeta Miguel Torga cunhou palavras de sofrimento sem perder a altivez diante do câncer que o consumia, altivez que nos faz lembrar o que é o sabor da vida plena e prestável, pois todo poeta que se preza e vive, literalmente, no fio da navalha, não pode nem deve temer a morte. Só que a morte do nosso próximo mais próximo é difícil de ser subtraída, já que ao poeta não basta ser humano, há que ser super-humano e é dessa forma que Osiecki enfrenta a atmosfera das grutas, aquelas que ainda não conhecia quando diz dos ecos ontológicos de dentro das grutas turvam a visão de qualquer pessoa.

O autor dedica a obra ao pai e ao irmão: aquele chamado por ele de “mestre absoluto” e este, sua “primeira influência musical”. Só que a música tem que continuar, pois nenhum de nós tem a senha que irá nos sacar do tabuleiro de xadrez da vida. Quem sabe, hoje mesmo, somos a peça da vez e Daniel sabe agora que na atmosfera das grutas há um silêncio turvo de cemitério / de fim sem aceno final / tuas pálpebras não se movem / abandonado numa mesa fria / numa tarde fria.

Ao irmão que ficou para com ele dividir a dor de viver sem o pai-mestre e o irmão-inspiração, Osiecki sai fora da casa, num grito surdo (que pode ser de qualquer um de nós, meros sobreviventes/resistentes) já que, em seu coração e no verso ecoa um grito além / é nessa noite insana / em uma vida inteira dentro de um copo de cerveja / que não termina em uma canção qualquer / sorve a embriaguez que lhe suaviza as entranhas.

O autor ainda não sabe qual será o fim da poesia / suas asas atrofiaram até a última célula / agora nós choramos como qualquer outro / assim como morreremos iguais a qualquer outro.

Daniel traz seus fantasmas todos da atmosfera das grutas, mas consegue multiplicar a própria dor-poesia com a mãe, numa espécie de consolo visceral quando fala que o ventre da mãe está seco como o coração do pai está vazio.

Osiecki sabe do efêmero, agora que o presenciou em dose dupla, num curto espaço de tempo, onde alguns poderiam entregar-se a qualquer tipo de vício, mas não; ele volta ao verso, à música que lhe dilacera a alma de saudade, a cada nota, a cada letra, a cada choro da guitarra, a cada som-catarse que ele extrai de seu instrumento; mas ainda assim ele consegue dar as mãos à Poesia, essa mulher indomável, porém generosa quando se trata de consolar seus filhos nascidos no útero da memória dos que vieram somar.



Renato V. Ostrowski

rvostrowski@hotmail.com

Campo Magro, 16 de setembro de 2023.

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