terça-feira, 8 de julho de 2025

RESENHA - Mergulho no absurdo: uma leitura de Mergulho, de Jossan Karsten

 


Em Mergulho, romance de Jossan Kartsten (Vespeiro Edições, 2024) acompanhamos José Carlos dos Santos, um avaliador e comerciante de diamantes que, em um momento de extrema crise, salta de uma ponte. Ao atingir a água, sua consciência mergulha profundamente — resvalando na memória da concepção — e a partir daí, inicia-se uma jornada intimista, descrita de forma poética, que mistura a tensão da fatalidade com uma busca por redenção e verdade interior.

O romance se apresenta em forma de prosa poética: narrado em terceira pessoa, mas com forte tom intimista, o enredo flui como um monólogo interno do protagonista. A linguagem é rica em imagens surreais e simbólicas — com a água atuando como portal entre o consciente e o inconsciente. Essa escolha estilística reforça a imersão emocional e psicológica, longe do convencional thriller de mistério.

A água e o inconsciente simbolizam o ato de mergulhar e seu um retorno ao nada, à busca de verdades enterradas e fragmentos de identidade (como sugerido por Rita Clemente, fundamentada em conceitos junguianos).

Podemos perceber no enredo do romance, uma viagem iniciática/surreal, ou seja, o protagonista atravessa uma sequência de memórias e paisagens mentais que lembram uma odisseia interna — pacto com a própria origem e o passado, onde a concepção representa o ponto de partida simbólico para se reencontrar.

Jossan Karsten trabalha com uma atmosfera imersiva, pois a prosa lírica cria uma tensão onírica que envolve o leitor, estimulando uma leitura reflexiva e sensorial. A partir disso chega-se à riqueza simbólica, pois o leitor perceberá uma forte presença de símbolos — água, profundezas, memórias fragmentadas — dá corpo à dimensão psicológica e misteriosa da narrativa.

Em alguns momentos o fluxo poético pode se prolongar, diminuindo o senso de urgência típico do mistério clássico. Leitores que buscam mais ação ou pistas objetivas podem sentir falta de ritmo mais acelerado. Mas se o leitor busca ambiguidade interpretativa, a polissemia da narrativa — condição e virtude — exige que o leitor se envolva ativamente. Essa densidade pode ser um obstáculo para quem preferir clareza narrativa ou conclusões precisas.

Mergulho é uma experiência literária que une mistério, psicologia e lirismo. Não se trata de um thriller com suspense contado em ritmo frenético, mas de um mergulho existencial, uma imersão simbólica que pressiona a consciência do protagonista — e, consequentemente, a do leitor.

Para quem busca leituras que confrontem o íntimo, que não entreguem respostas fáceis e que valorizem a estética poética, Mergulho oferece uma viagem memorável. Para leitores mais acostumados a narrativas lineares de investigação, o ritmo lento e introspectivo pode exigir paciência e entrega emocional.


Hélder Moutinho

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