segunda-feira, 28 de outubro de 2019

O ladrão de maçanetas – a arte do óbvio





Em uma época tão diluída como atualmente, é quase perda de tempo se preocupar com delimitações de gêneros textuais. Conto e crônica, romance e novela e discussões que visam uma espécie de análise um tanto quanto rasa das obras em questão. Claro que a distinção de gêneros ainda pode ser facilmente percebida em determinadas obras, mas o foco central é o trabalho linguístico, a arte de trabalhar a palavra, a artesania do texto.

Gênero um tanto injustiçado, a crônica, geralmente por sua própria origem em retratar questões relacionadas ao cotidiano, ou seja, que envelhecem rápido, torna-se defasada em um tempo bastante curto. Se a crônica tem por finalidade abordar temas políticos ou esportivos, por exemplo, seu processo de envelhecimento é ainda mais rápido e natural, pois os assuntos diários vão se sucedendo um depois do outro.

Grandes autores da literatura brasileira se ocuparam da crônica. Muitos por ofício e por uma questão de sobrevivência, como Rubem Braga, Fernando Sabino, Moacyr Scliar, Carlos Heitor Cony e tantos outros. Eis que passados seis anos de sua estreia na poesia, com Opaca transparência (Kairós, 2012), Renato Vieira Ostrowsky aventura-se pelas veredas narrativas com o ótimo volume O ladrão de maçanetas (Editora Penalux, 2019).

O livro reúne 43 narrativas breves que abordam temas dos mais variados, como o próprio ato de escrever, a velhice, a infância, filatelia e tantos outros clicks (Ostrowsky age em seus textos como um fotógrafo do cotidiano, fazendo breves flashes daquilo que parece óbvio) que dialogam com frequência com o leitor, deixando os textos ágeis e leves.

É interessante perceber nos contos-crônicas de Ostrowsky, a relação de seus narradores com os espaços urbanos. Em vários momentos (Autor? Narrador? Personagem?) seus narradores observam o funcionamento caótico e sombrio da urbe como um flâneur baudelairiano. Vale ressaltar a relevância dos textos O ladrão de maçanetas (com um sabor de conto fantástico à Murilo Rubião), Yu, Identidade e CPF e tantos outros, só para citar alguns. Uma das qualidades do livro de Ostrowsky é exatamente essa despreocupação em se ater a fórmulas fechadas deste ou daquele gênero. Não há dúvidas que conto e crônica aqui se complementam e não precisamos ficar debatendo se é um livro de ficção ou não. É boa literatura e estamos conversados.

Resta saber se este carioca – curitibano prega essas peças no (a) leitor (a) embalado pela intuição de ótimo narrador que é, ou se fez tudo de caso pensado, como se estivesse nos observando pelo vão da fechadura.

ESTRELA DIFUSA

  O tempo é o fator que talvez possa explicar melhor algumas coisas que simplesmente não escolhemos; ou melhor, insistimos em dizer que não ...