segunda-feira, 15 de abril de 2019

Resenha conjunta - Shortcuts das araucárias – Turezo, Alves, Winck






Em tempos de tanta disputa ideológica e de tantas amizades sendo desfeitas por divergências políticas, voltar-se para as artes faz-se mister. Diria mais: a percepção da obra de arte (seja qual for seu modus operandi) é um dos únicos respiros do indivíduo contemporâneo. Mas sigamos que o espaço é curto para tanta divagação.
Seguindo o modelo do qual já me utilizei antes (de resenhar três obras diferentes na mesma coluna), o faço novamente com três obras recentes de autores paranaenses: Minha massa encefálica despenca como se de um desfiladeiro, de Victor Hugo Turezo (Patuá, 2017); Poemas Baseados, de Ricardo Pedrosa Alves (Kotter, 2018) e Cosmogonias, de Otto Leopoldo Winck (Kotter, 2018).

1.Victor Hugo Turezo nasceu em Curitiba em 1993. É jornalista e estuda Letras na UFPR. É o mais jovem dos três poetas analisados nesta resenha, mas Turezo está longe de ser ingênuo, ou piegas, ou pseudointelectual. Seus poemas vêm carregados de uma fúria bastante característica da poesia brasileira contemporânea, repletos de álcool, noite, drogas e ansiolíticos.

É bastante relevante em Minha massa encefálica despenca como se de um desfiladeiro (aliás, o título por si só já é uma obra-prima à parte), o tom anárquico entre um poema e outro. A falta de títulos ou quaisquer outras indicações paratextuais atribuem aos poemas o dialogismo buscado por Turezo (inclusive Bakhtin, assim como vários outros autores, são citados direta e indiretamente no decorrer das 78 páginas deste seu livro de estreia). Vale ressaltar que o livro é dividido em três partes: I – Negro; II – Dialética do sofrimento; III – Crise.

Como não há apego às formas fixas, a poesia de Turezo é muito pictórica, como se demonstrasse o tempo todo imagens do cotidiano. São frustrações, viagens (geográficas e lisérgicas) que embebidas em álcool, partem em direção de um niilismo nada óbvio. Os termos análogos são a tônica da maior parte dos poemas, fazendo com que uma espécie de avalanche semântica leve esta voz perdida que perpassa todo o livro ao desespero, mesmo quando calada. Porém quando desperta, o estrago é grande.

Turezo constrói muito bem relações com a literatura beat, pulp, quando cria imagens embaçadas como se vistas através de uma janela na chuva (lembra dos ansiolíticos?) e na economia de palavras, mas não necessariamente de adjetivos (como Ginsberg e Kerouac). Geralmente há a presença de um oprimido sentimental ou fisicamente, mas em momento algum é panfletário.
   
Victor Hugo Turezo constrói um livro que tem um apego com o espaço, seja de uma Argentina semi-desbravada, seja de botecos escuros na Praça Tiradentes. Esse apego ao espaço geográfico faz com que os poemas estejam sempre em movimento. Desta forma, há a necessidade da permanência na realidade (por mais que haja várias tentativas de fuga desta realidade convencional), um tanto quanto comum à chamada pós-modernidade.
Nasce aqui um poeta de verdade!
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2.Ricardo Pedrosa Alves nasceu em Governador Valadares – MG em 1970. É doutor em letras e professor universitário. Atualmente vive em Guarapuava-PR. Publicou Desencantos mínimos (Iluminuras, 1996), Barato (Medusa, 2011) e Poemas Baseados (Kotter, 2018). Neste último Ricardo demonstra que é um erudito através de um paideuma que vai desde os românticos brasileiros a Fernando Pessoa, de Paul Valery a Enuma Elis, de Olavo Bilac a João Cabral e Pound.

A poesia de Ricardo Pedrosa não é para ser lida com uma rápida passada de olhos, é antes para ser pensada, degustada e, com frequência, relida. O que Poemas Baseados apresenta de melhor é sua construção nada óbvia, como o título talvez possa sugerir a um leitor desavisado. Os poemas deste livro não são simplesmente baseados em outros; o que Ricardo faz vai muito além, ou seja, o poeta desconstrói para depois reconstruir, como um verdadeiro iconoclasta, um artífice da poesia.

Não se engane o leitor, porém, que sua poética é meramente acadêmica, prolixa, enfadonha. Pelo contrário. Em Poemas Baseados há o flerte com o inesperado que, em uma piscada entre um verso e outro, pode fazer o leitor ter que reler este ou aquele poema. Mas quem disse que toda boa poesia é óbvia e clara?

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3. Otto Leopoldo Winck nasceu no Rio de Janeiro em 1967. Vive em Curitiba desde 1982 e fez-se escritor por estas paragens. Além de poeta e romancista é professor universitário. Mestre e Doutor em Estudos Literários pela UFPR. Publicou o premiado romance Jaboc (Garamond, 2006), o ensaio Minha pátria é minha língua – identidade e sistema literário na Galiza (Appris, 2017), resultado de sua tese de doutorado e Cosmogonias (Kotter, 2018).

As mesmas inquietações que o afligem como prosador também podem ser encontradas neste seu Cosmogonias. Otto, assim como Ricardo Pedrosa Alves, também é um erudito (por mais que ele negue), e sua erudição pode ser claramente percebida em seus versos que são, em boa parte, uma simbiose entre o poema confessional e a narrativa cotidiana.

Um dos elementos principais que faz com que Cosmogonias seja tão singular, é que o poeta tem plena consciência do ato de existir como tal, como Poeta. Os problemas metafísicos que o incomodam podem muito bem se aproximar do que Eduardo Lourenço (grande crítico e teórico português) chamou de arte-ensaio, ou seja, o corpo do poema é um suporte para problematizações existenciais das mais complexas.

Entre os poemas do livro, perpassa (às vezes de forma sutil, às vezes nem tanto), um eco do início das eras, como um prenúncio da evidência da vida, como a náusea sartreana. O texto bíblico (ou uma subversão dele) é bastante recorrente ou como citação direta ou como citação indireta. Na verdade, Otto Winck se utiliza na medida certa da intertextualidade, podendo-se perceber certos ecos desde o Antigo testamento a Nietzsche, dos simbolistas a Leminski, Torquarto Neto, e Rimbaud, como fica evidente no poema Revelação, que é uma colagem de Apocalipse e a Carta do vidente, de Arthur Rimbaud.

Mas Otto também consegue, em toda sua versatilidade, dialogar com o cotidiano e com a cultura pop, ao descrever uma ida à panificadora, as angústias do fazer literário, ou um blues antigo de Robert Johnson. As epígrafes de boa parte dos poemas servem como pistas cuidadosamente deixadas ao leitor pelo poeta.

Por último mas não menos importante, vale ressaltar dois elementos extra livro: o primeiro é a capa magistral de Cosmogonias feita pelo saudoso amigo Marcelo De Angelis (morto em 2018). O segundo é a apresentação feita pelo lendário poeta curitibano Jaques Brand, autor de Brisais: das brisas do Brasil os ais & os sais, deliciosamente provocativa, irônica e erudita.

Evoé!

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