quarta-feira, 24 de julho de 2013

DENTRO DA CASA – O ESPAÇO LITERÁRIO DE FRANÇOIS OZON: UMA ANÁLISE DA INTERTEXTUALIDADE DA NARRATIVA


 
Por André Osiecki
 
Este estudo pretende analisar a linguagem textual e contextual que ocorre na obra Dentro da Casa, do cineasta francês François Ozon, sob pontos de vistas que percorrem a história e teorias do cinema mundial. São apresentadas e Intercaladas ideias neste trabalho de estudiosos como Jacques Amont, Jonathan Culler, André Bazin, Ismail Xavier e Jacques Derrida.

Nesta obra, adaptada da peça de teatro “O rapaz da última fila”, de Juan Mayorga, Ozon cria em ambientes e situações comuns uma narrativa rica em detalhes. Entrelaça textos e constrói universos interpretativos além do que o recorte representa. Jacques Aumont, em A estética do filme, argumenta que existem dois tipos de cineastas: “os que fazem da representação um fim artístico e os que buscam o mais perfeito ato representativo da realidade ou do real (AUMONT,J.1995, p.46). É tentar significar o que está nas entrelinhas e a busca da realidade.

A trama envolve um relacionamento entre um aluno do oitavo ano do colegial, Claude Garcia (Ernst Umhauer) e seu professor de língua francesa, Germain (Frabrice Luchini). O professor vê no exercício de redação de seu aluno, aparentemente um adolescente comum, uma história que vale a pena ser lida. Este relato, por sua vez, é perturbador às vistas moral da sociedade, a ponto de ser compartilhada somente entre aluno e professor. A redação revela que o desejo despertado em Claude Garcia não é somente um interesse banal dos adolescentes de sua idade. Tem uma vontade inexplicável de conhecer a vida íntima da família do colega de turma, e num único local: de dentro da casa dos Rafa, forma que Claude chama a família de seu colega Rafa (Bastien Ughetto). Como continuação de um primeiro exercício, e sob a desculpa de incentivar na escrita, elaboração ficcional e aperfeiçoamento da língua francesa, Germain e Claude estabelecem um vínculo maior que professor/aluno, caracterizando mestre e aprendiz. Germain se satisfaz em ser o mentor. Quer mais histórias. Na continuação de seus exercícios Claude avança na sua história que se passa sempre dentro da casa dos Rafa. O filme ganha velocidade na ação. À medida que os fatos acontecem e são problematizados a edição é apurada, e a tensão é requerida à cena.

Germain insiste em teorizar Claude. Jonathan Culler explica uma teoria literária como “um gênero novo, misto, que começou no século XIX: Tendo iniciado na época de Goethe, Macaulay, Caryle e Emerson, desenvolveu-se um novo tipo de escrita que não é nem a avaliação dos méritos relativos das produções literárias, nem história intelectual, nem filosofia moral, nem profecia social, mas tudo isso combinado num novo gênero" (CULLER, J. 1999, p. 13). Como linhas de incentivo Germain cita e empresta de sua biblioteca particular exemplares de Anton Chechov, Charles Dickens, Gustave Flaubert, Fiodor Dostoiévski, entre outros.
 
Erotismo como elemento textual

Ozon explora o convívio social, a vida cotidiana familiar, os acontecimentos de rotina e detalhes básicos sobre a vida íntima, como a sexualidade. De certa forma remete-se ao cinema erótico. O personagem Claude continua a escrever histórias e desvenda que tem uma paixão ardente pela mãe de seu colega, Rafa. De maneira peculiar e convincente o personagem do garoto do ensino básico anuncia uma enorme trama em que nasce uma polifonia e intertextualidade. A linearidade do filme entra em paralelo quando apresentadas as cenas que remetem ao sonho, e ao não realismo nas histórias contadas dentro da ficção – histórias de Claude – e também na ficção de Ozon, a obra geral propriamente dita. Para fim de exercício de teoria literária, o universo parece perfeito para Claude. Existe o sujeito ou herói, o objetivo ou alguém e o conflito ou obstáculo. O sujeito é o próprio Claude, que escreve no presente e em primeira pessoa, o objetivo – supostamente a mãe do colega – e o conflito, que são os Rafa pai e principalmente Rafa filho que, servindo como pretexto de sua especulação ficcional, é o maior desafio.

A partir disto se dá a narração contextual, que abrange todo o mecanismo textual com as circunstâncias referenciais - de acordo com a interpretação - que buscam chegar na informação que está por trás do texto representado. É a diegese. É a afirmação da ficção sob ela mesma, tendo em vista que se compreende que a mensagem enviada ao espectador/modelo é revelada com uma percepção subjetiva particular (AUMONT, 1994, p. 114). O entendimento intertextual deve-se à experiência do leitor/espectador, uma vez que cada um obtém seu próprio universo textual.

Assim como colocado por Ismail Xavier sobre a subjetividade do objeto, cada pessoa pode reconhecer o mesmo objeto, porém com diferentes pontos de vistas e interpretações. “Cada ângulo visual significa uma atitude interior. Nada mais subjetivo do que o objetivo” (XAVIER, I. 1983, p.97).

André Bazin contextualiza ao citar Lo Duca “que do cinema pois, e dele só, é que se pode dizer que o erotismo aparece como um projeto e um conteúdo fundamental”. O erotismo tem por sua vez, ainda segundo Bazin, ligação com o sonho. Em sua citação a Lo Duca “parece ver a fonte do erotismo cinematográfico no parentesco do espetáculo cinematográfico e o sonho” (BAZIN, A. 1985, p. 226). 

Este conflito de real irreal parte de um acontecimento na história e tende a se desmembrar ao longo do filme. É a interpretação do que é real ou não. Do que realmente acontece ou está dentro da ficção, seja ela qual for. É uma ferramenta muito usada pelo diretor uma vez que os personagens são exibidos várias vezes como figuras ocultas ou do pensamento, mesmo fazendo parte fisicamente da cena. É como se não estivesse lá efetivamente. É o conflito textual e contextual.

Ozon retrata a situação que Germain vive. É de admiração pelo trabalho do jovem. A vida social de Germain é representada com frieza na intimidade com a esposa, não tem filhos ou alguém que tenha relação afetiva. Estes problemas pessoais reunidos às boas histórias de Claude levam Germain a incentivar Claude e ser entretido, deixando aberto o caminho para a subjetividade.
 
A HISTÓRIA, A ARTE E A DESCONSTRUÇÃO
Como linguagens de desconstrução tomamos as obras de arte da esposa de Germain, Jeane (Kristin Scott Thomas). São ícones históricos de cunho políticos e culturais. Figuras que simbolizam o sexo são exibidas em referência a líderes nacionais como uma paródia, ou justiça poética. É inverter os valores já conhecidos e tomados como normais. É o conceito de desconstrução.
Segundo Jacques Derrida “desconstruir a oposição significa, primeiramente, em um momento dado, inverter a hierarquia” (DERRIDA, 2001, p.48)

 

Utilizado pela primeira vez por Jacques Derrida em 1967 na Gramatologia, o termo ‘desconstrução’ foi tomado da arquitetura. Significa a deposição decomposição de uma estrutura. Em sua definição derridiana, remete a um trabalho do pensamento inconsciente (‘isso se desconstrói’), e que consiste em desfazer, sem nunca destruir, um sistema de pensamento hegemônico e dominante. Desconstruir é de certo modo resistir à tirania do Um, do logos, da metafísica (ocidental) na própria língua em que é enunciada, com a ajuda do próprio material deslocado, movido com fins de reconstruções cambiantes (DERRIDA & ROUDINESCO, 2004, p.9).
 

André Osiecki é jornalista. Atualmente cursa Especialização em Cinema na Universidade Tuiuti do Paraná. 
 
 
REFERÊNCIAS

AUMONT, Jacques. Estética do filme, A. Papirus 1995.

BAZIN, André. Ensaios, O Cinema. Trad. Eloísa de Araújo Ribeiro. Brasiliense. 1985.

CULLER, Jonathan. Teoria literária – Uma Introdução. Beca. 1999.

EISENSTEIN, Sergei. A forma do filme. Jorge Zahar Editor. 1990.

XAVIER, Ismail. Experiência do Cinema, A. Rio de Janeiro. Graal. 1983.

DERRIDA, Jacques; ROUDINESCO, Elizabeth. De que amanhã:diálogos. Trad.

André Telles. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editor, 2004.

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