domingo, 22 de março de 2015

LITERATURA, LITERATURA, EGOS À PARTE


                             (Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Julho 2014)
 
Em tempos de grandes polêmicas com relação à censura de biografias é preciso prudência por parte dos autores. Há diversos casos de disputas judiciais intermináveis que se estendem há tempos e ainda sem previsão para acabar. Nomes da música popular brasileira, da dramaturgia, literatura e de diversas áreas distintas da cultura pop passaram a vetar certas visões de seus biógrafos, consideradas por eles, biografados, ou por seus herdeiros, não muito ortodoxas, dando a entender, dessa forma, o desejo por uma abordagem mais “chapa branca”.

Em setembro do ano passado o escritor Domingos Pellegrini passou a divulgar pela internet um livro que havia escrito sobre Paulo Leminski. O motivo da divulgação de seu livro ter sido feito, a princípio,  pela internet foi a censura por parte de Alice Ruiz e suas filhas com Leminski, Áurea e Estrela. Alice Ruiz alegou que o livro de Pellegrini passava uma imagem muito forçada de Leminski, enfático demasiadamente em seu problema com álcool e seu desapego material.

A postura um tanto beat de Leminski, baseados, bebida, pobreza, nunca foi novidade para ninguém, muito menos aos seus leitores. Não aos conhecedores de sua vida, mas aos seus leitores de fato. No livro Minhas Lembranças de Leminski (Editora Geração. 199 p.) publicado no início de junho, Domingos Pellegrini faz um apanhado geral de sua relação com o “Polaco” (como Leminski é tratado no livro).

No breve relato Leminski é transformado em personagem, não sendo apenas um biografado. Personagem com voz própria, reflexões e opiniões contundentes sobre tudo que vê (de fora, pois já morreu há 25 anos). O acerto de Pellegrini no livro é basicamente na estrutura, conferindo à obra meio tom de romance e meio tom de biografia. Os narradores são alternados de capítulo para capítulo. Há o narrador Leminski, ou o Polaco, e o narrador Pellegrini, ou o Pé vermelho. Os pontos altos do livro, no entanto, são as reflexões do personagem Leminski sobre alcoolismo, cultura, literatura, política que são compostas por um humor ímpar, e isso Pellegrini faz muito bem.

Pellegrini é muito competente ao atribuir certas características ao Polaco sendo esse Leminski um personagem de ficção baseado no Leminski real. Entretanto, muito de suas lembranças de Leminski parecem especulação, mostrando um narrador (Pellegrini) preocupado em passar uma autoimagem acima de qualquer suspeita, correta, de bom rapaz. É evidente o domínio da técnica narrativa de Pellegrini, mas nos momentos em que a ficção cede espaço ao real, ele torna-se um tanto piegas e superficial. Não superficial em sua leitura sobre a obra de Leminski, que inclusive é bastante apurada, mas superficial sobre questões pessoais.

No final do livro, na seção intitulada Posts, Pellegrini reproduz na íntegra um e-mail de Alice Ruiz, no qual discorre sobre seus motivos por vetar a publicação do livro.

Caso não arrede pé do seu ‘estilo’ detrator do Paulo pessoa, fique à vontade para isso (publicar na internet). Não somos movidas a ameaças. A decisão é sua.  (p. 190)

Autorizada ou não autorizada a obra está publicada e tem certa importância. Por mais que Pellegrini se supervalorize alegando ser criativo e inventivo, ele não deixa de ter certa razão em sua originalidade. Talvez ele tenha razão, também, ao afirmar que o formato de seu livro, nada convencional para uma biografia, agradasse, principalmente, ao próprio Leminski.

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