domingo, 17 de novembro de 2013

TERRA INCÓGNITA (I): EDUARDO BRUM E A METÁFORA DAS MINORIAS



As fronteiras que separam autores portugueses dos leitores brasileiros não são apenas geográficas, mas também editoriais. Poucos são os autores portugueses contemporâneos que despertam o interesse de leitores brasileiros e, consequentemente, das editoras brasileiras. Com exceção de José Saramago, António Lobo Antunes, Inés Pedrosa e alguns outros nomes pouco conhecidos do grande público, boa parte dos escritores portugueses atuais são meros anônimos por aqui.

Um desses anônimos (inclusive para mim, que sempre estou em busca de novos autores portugueses  contemporâneos) Eduardo Brum, é um escritor português que ainda não teve nenhuma edição brasileira. Encontram-se algumas obras suas em sebos ou livrarias especializadas, mas geralmente os livros são caros. Eduardo Brum, como vários outros portugueses não editados no Brasil, são muito restritos aos meios acadêmicos, por isso o pouco interesse em publicá-los.

Eduardo Brum nasceu em Rabo de Peixe, nos Açores, em 1954. Estudou Direito em Lisboa às vésperas da Revolução dos Cravos. Mudou-se para os Estados Unidos onde estudou Psicologia. Quando voltou a Portugal em 1980 passou a dedicar-se à literatura e ao jornalismo. Data de 1983 seu romance de estreia, Viviana, o princípio das coisas. Depois vieram Romance de uma sereia (1985), O Beijo Negro (1986), Sem Coração (1997) romance publicado depois de 11 anos sem publicar ficção, Amor com sapatos (2000), Horas vidas (2001), Prazer em Pó (2003).

O Beijo Negro é seu romance mais significativo produzido na década de 80. O livro narra a história fantástica de Júlio e Noé, dois inimigos mortais que se odiaram desde o momento em que se viram pela primeira vez. Enredo muito convencional até descobrirmos que tratam-se de dois gigantes (literalmente). Eduardo Brum usa muitos símbolos nessa novela à maneira de Borges e Kafka. O absurdo aqui não é explicado, mas explorado. Tzvetan Todorov faz divisões e subdivisões acerca do fantástico como elemento da narrativa. No caso de O Beijo Negro, a narrativa se aproxima do que o teórico denomina de fantástico - maravilhoso, pois tratam-se de fatos que são aceitos dentro do universo da ficção, ou seja, é o sobrenatural aceito. Boa parte da narrativa não deixa espaço para questionamentos sobre como determinada ação se deu ou como determinado aspecto do cotidiano dos gigantes não chamava tanto a atenção da população considerada "normal".

É interessante ressaltar que o livro aborda os "gigantes" como seres oprimidos e marginalizados por uma sociedade dominante de homens comuns. Júlio e Noé fazem parte de uma comunidade nômade que vive fora do tempo, ou seja, os protagonistas e toda população de gigantes vivem ao ocaso e sem perspectiva de almejar algo vindouro que mude a apatia atual. As mulheres vivem em casa com seus afazeres domésticos enquanto os homens passam os dias na taberna. Essa espécie de assentamento dos gigantes serve como um microcosmo de diversas minorias. Porém, as minorias aqui, simbolizadas pelos gigantes, têm mais força do que a população de fora imagina, tanto que os gigantes, após uma ofensiva do exército dos homens comuns, os vencem e permanecem em seu território.

Romance autodiegético, O Beijo Negro não apresenta inovações estilísticas nem experimentalismos formais como foi muito recorrente na ficção portuguesa produzida nos anos 80, mas é uma novela inserida em um hall seleto de grandes narradores da chamada geração pós 25 de abril, como António Lobo Antunes, Almeida Faria, Lídia Jorge e outros. Eduardo Brum acerta no uso das metáforas e símbolos durante todo o livro, mesmo pecando em algumas opções de imagens e no uso demasiado de adjetivos. Não é um romance essencial, mas representa parte importante na literatura portuguesa da segunda metade do século XX.    

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