sexta-feira, 18 de abril de 2014

Rui Werneck de Capistrano e seu mosaico suburbano


 
                     (Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Março de 2014)

Há alguns meses escrevi um artigo sobre o romance Pequena biografia de desejos, do curitibano Cezar Tridapalli. No artigo, além de falar muito bem do romance de Tridapalli, atentei para o detalhe de que sinto falta, em Curitiba, de romancistas relevantes que não sejam tão difundidos pela mídia. Resenhei muitos poetas e contistas, mas poucos dos jovens escritores que li se aventuraram pela narrativa mais longa.

Quando me deparo com um livro de algum escritor underground desconhecido para mim fico apreensivo e com expectativas. É bastante comum alguns escritores não corresponderem às expectativas, mas quando correspondem, vale todo sacrifício de ler de forma mais atenta, com lápis na mão.

Rui Werneck de Capistrano é um dos escritores que correspondeu às expectativas. Até diria que foi além das expectativas. Werneck nasceu em Curitiba. É publicitário e já publicou Máquina de escrever (1988), Tal de tanto de tal de dois mil e tonto - e outros tantos (1997), Ovos do Ofício (1998), O Conselho – o julgamento (1999), Nem bobo nem nada (2009).

Seu trabalho mais interessante com certeza é Nem bobo nem nada, romance ou “romancélere”, como definiu o próprio Werneck, formado a partir de fragmentos nos quais não há um narrador. Os 150 capítulos são as impressões, opiniões e confissões de um pintor de paredes que escancara seu cotidiano relativamente banal ao leitor. Adultério, violência urbana, tédio na vida conjugal, relação distante com os filhos são alguns dos elementos principais que o protagonista anônimo relata a um interlocutor também anônimo.

Cara, você precisa ver a outra: sabe quando se acha a mulher que a gente sonhou mesmo? Carinhosa, tá sempre perto de mim, sempre. Carinhosa em tudo, entende? A mulher sempre foi fria. Nunca deu carinho. Mas, ela... a outra é o que eu sempre quis. Em tudo.  (p. 28)

É através de pequenos flashes como esse que toda a narrativa é formada. O protagonista anônimo é apenas mais um entre tantos outros anônimos que vivem as pequenas banalidades do cotidiano. Werneck consegue um efeito de coloquialidade nesses insights do pintor se utilizando de uma linguagem extremamente concisa, direta e nada adjetivada. O efeito da concisão e da coloquialidade na linguagem do pintor é uma reprodução fiel da fala informal e sem floreios formais, muito próximo do fluxo de consciência como um turbilhão de ideias não muito organizadas. O protagonista fala o que lhe vem à cabeça sem pensar muito. O interlocutor pode ser o próprio pintor, ele pode estar dialogando consigo próprio em um solilóquio que não dá abertura (propositalmente) a interrupções externas. Bela jogada de foco narrativo.

Nem bobo Nem nada é um bom exemplo de literatura contemporânea. Werneck demonstra ter assimilado muito bem alguns elementos da pós-modernidade, como a ruptura com formas mais tradicionais do romance, narrativa construída por fragmentos que se completam e aos poucos vão abrindo lacunas para significados diversos. Livro bastante original, Nem bobo Nem nada tem cada elemento no lugar certo, sem exageros estilísticos. É com extremo bom gosto que Rui Werneck de Capistrano mistura nesse mosaico suburbano os elementos que o fazem um grande prosador.

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