sexta-feira, 18 de abril de 2014

UM LUGAR CHAMADO INSTANTE: Álvaro Posselt e seu legado


 
                 (Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Fevereiro de 2014)

A primeira vez que ouvi falar sobre haicai foi no livro Pão e Sangue (1988), de Dalton Trevisan, ainda no ensino médio. O velho me fisgou tanto que fui procurar outros autores de haicais. Decidi ir direto na fonte: Bashô foi uma revelação, principalmente depois de ler a biografia do Leminski sobre o mestre japonês. Certamente depois compreendi a malícia de Dalton naqueles haicais, e poetas como Alice Ruiz, Mário Chamie e outros não me agradaram por completo.

No final do ano passado, Álvaro Posselt, poeta curitibano conhecido do Jornal Relevo, publicou seu segundo livro, Um lugar chamado instante (Editora Blanche, 79.p.). O volume apresenta ilustrações de Bruno Marafigo que acompanham vários dos 60 haicais que compõem o livro.

O projeto gráfico é bastante parecido ao livro anterior de Posselt, Tão breve quanto o agora (2012), também publicado pela Blanche. Em Um lugar chamado instante Posselt apresenta os mesmos elementos de seus haicais do primeiro livro, mas ainda assim surpreende. A noção de brevidade do indivíduo, suas impressões sobre o cotidiano e pequenos flashes sobre aparentes banalidades são elementos caros a Posselt.

Posselt, além de dominar a técnica do haicai, apresenta um humor fino e óbvio que está presente em boa parte dos poemas.

Curitiba nos maltrata

Hoje eu saí de blusa

Ao invés de regata (p.43)

Clara alusão ao clima sempre instável de Curitiba, que tanto aborrece o curitibano que o torna rabugento. Posselt, nas entrelinhas, brinca com essa “identidade” soturna curitibana.

A intertextualidade é explorada por Posselt em alguns poemas. Há referências a Bashô e Poe que são facilmente identificáveis pelo leitor, mas sem serem simplistas. A transparência dos poemas surpreende porque fica evidente o esmero de seu autor em ser direto e preciso. E Posselt consegue atingir esses objetivos sem cair no abismo da banalidade.

Lembranças do mestre -

Sobre o lago de Bashô

Voam as libélulas (p.67)

O poema que faz referência a Poe é tão cristalino e objetivo, que só um poeta que domina a técnica seria capaz de produzir.

Lenore, mas que estorvo!

Do poema de Poe

Deixei escapar o corvo (p.55)

Os poemas de Um lugar chamado instante estão mais maduros que os poemas de Tão breve quanto o agora, o livro anterior de Posselt. Parece que Posselt aprimorou ainda mais a técnica do haicai que já demonstrava dominar no livro de estreia. É por essa leveza de verso em verso aliada à técnica que Posselt prova ser um poeta bastante original. Ele aponta o que vê fugindo de armadilhas estilísticas nas quais, às vezes, poetas experientes insistem em cair. 
 
 

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