sábado, 3 de agosto de 2013

MANUEL DA FONSECA E A PRIMEIRA FASE DO NEORREALISMO




Alexandre Pinheiro Torres, um dos maiores estudiosos do neorrealismo português, em seu livro O movimento neo-realista em Portugal em sua primeira fase (1977), defende a tese de que conteúdo e forma na gênese do neorrealismo em Portugal eram polos equidistantes e jamais se agregariam como um todo.

Porém para Mário Sacramento esse argumento não se sustenta e quando Fernando Namora e Vergílio Ferreira inauguram um novo viés neorrealista (a chamada segunda fase do neorrealismo), rompem com o engajamento totalmente panfletário da primeira fase. Ou seja, conteúdo e forma nessa altura já podem ser identificados como polos integradores entre si.

Um dos escritores portugueses mais relevantes do século XX, Manuel da Fonseca foi praticante de vários gêneros literários, como poesia, conto, crônica e romance. Contador de histórias nato, dominou como poucos as técnicas narrativas do conto. Entre suas obras mais relevantes estão Aldeia Nova (1942) e O fogo e as cinzas (1953), ambas coletâneas de contos.

Nas narrativas longas Manuel da Fonseca teve menos êxito, mas com seu senso crítico apurado e seu vocabulário privilegiado publicou dois belos romances: Cerromaior (1943) e Seara de vento (1958). O mais relevante dos dois, Cerromaior, apresenta, como era praxe entre os neorrealistas, uma gama imensa de personagens sem procurar enfatizar dramas isolados. A abordagem do coletivo é sempre superior à do individual.

Mesmo estando inserido historicamente em um movimento neorrealista iniciante, ou seja, ainda com fortes tendências socialistas, Cerromaior chama a atenção por sua estrutura narrativa não linear, o que não era comum nesse período. Romances como A Selva, de Ferreira de Castro, Gaibéus, de Alves Redol e Esteiros, de Soeiro Pereira Gomes apresentam estruturas narrativas similares entre si, bastante diretas, estanques e lineares que, para atingir seu objetivo principal (crítica social), como era caro à primeira fase do neorrealismo, se preocuparam muito mais com o conteúdo do que com a forma.

Cerromaior inicia com uma cena na prisão, na qual o personagem central (se é que podemos chamá-lo dessa forma) Adriano, chama um dos carcereiros para comunicar que outro detento havia sofrido um acidente. Nessa introdução o leitor não sabe por que Adriano está preso e aos poucos o narrador em primeira pessoa dá algumas poucas informações sobre a vida do protagonista.
A partir do segundo capítulo a ação sofre um corte temporal e uma gama de personagens, capítulo após capítulo, passa a integrar a narrativa. Fica-se sabendo da infância de Adriano em Cerromaior, sua ida para Lisboa e seu retorno; suas agruras e peripécias amorosas e seus desencantos.

Cerromaior
apresenta todos os elementos clássicos de um romance neorrealista tradicional: muitos personagens, espaço rural oprimido por um pequeno grupo de latifundiários, longas e belas descrições das paisagens alentejanas (que é um dos artifícios mais bem explorados por Manuel da Fonseca), mas difere na questão das informações deixadas para o leitor decifrar e na quebra da linearidade do tempo. Não é sua obra mais relevante, mesmo porque o que produziu de melhor foi no conto, mas é um belo painel de tipos rurais do Alentejo.


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