Em Mergulho, romance de Jossan Kartsten (Vespeiro Edições, 2024) acompanhamos José Carlos dos Santos,
um avaliador e comerciante de diamantes que, em um momento de extrema crise,
salta de uma ponte. Ao atingir a água, sua consciência mergulha profundamente —
resvalando na memória da concepção — e a partir daí, inicia-se uma jornada
intimista, descrita de forma poética, que mistura a tensão da fatalidade com
uma busca por redenção e verdade interior.
O romance se apresenta em forma de prosa poética: narrado em
terceira pessoa, mas com forte tom intimista, o enredo flui como um monólogo
interno do protagonista. A linguagem é rica em imagens surreais e simbólicas —
com a água atuando como portal entre o consciente e o inconsciente. Essa
escolha estilística reforça a imersão emocional e psicológica, longe do
convencional thriller de mistério.
A água e o inconsciente simbolizam o ato de mergulhar e seu
um retorno ao nada, à busca de verdades enterradas e fragmentos de identidade
(como sugerido por Rita Clemente, fundamentada em conceitos junguianos).
Podemos perceber no enredo do romance, uma viagem
iniciática/surreal, ou seja, o protagonista atravessa uma sequência de memórias
e paisagens mentais que lembram uma odisseia interna — pacto com a própria
origem e o passado, onde a concepção representa o ponto de partida simbólico
para se reencontrar.
Jossan Karsten trabalha com uma atmosfera imersiva, pois a
prosa lírica cria uma tensão onírica que envolve o leitor, estimulando uma
leitura reflexiva e sensorial. A partir disso chega-se à riqueza simbólica,
pois o leitor perceberá uma forte presença de símbolos — água, profundezas,
memórias fragmentadas — dá corpo à dimensão psicológica e misteriosa da
narrativa.
Em alguns momentos o fluxo poético pode se prolongar,
diminuindo o senso de urgência típico do mistério clássico. Leitores que buscam
mais ação ou pistas objetivas podem sentir falta de ritmo mais acelerado. Mas
se o leitor busca ambiguidade interpretativa, a polissemia da narrativa —
condição e virtude — exige que o leitor se envolva ativamente. Essa densidade
pode ser um obstáculo para quem preferir clareza narrativa ou conclusões
precisas.
Mergulho é uma experiência literária que une mistério, psicologia e lirismo.
Não se trata de um thriller com suspense contado em ritmo frenético, mas de um
mergulho existencial, uma imersão simbólica que pressiona a consciência do
protagonista — e, consequentemente, a do leitor.
Para quem busca leituras que confrontem o íntimo, que não
entreguem respostas fáceis e que valorizem a estética poética, Mergulho oferece
uma viagem memorável. Para leitores mais acostumados a narrativas lineares de
investigação, o ritmo lento e introspectivo pode exigir paciência e entrega
emocional.
Hélder Moutinho