(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Setembro 2014)
Segundo a mitologia
grega, Sísifo, filho de Éolo e Enarete, era um dos mortais mais sábios. Por ser
um dos maiores blasfemos da Terra, Sísifo é punido pelos deuses e condenado a
carregar uma pedra até o alto de uma montanha sem ter como segurá-la no topo, e
a pedra volta ao início e esse trabalho se repete por toda a eternidade.
O trabalho de Sísifo de
sempre fazer a mesma coisa e nunca conseguir terminar é uma metáfora sobre a
insatisfação, ou seja, não importa quanto tempo alguém se dedique a um ofício,
esse ofício, de uma forma ou de outra, dificilmente será concluído
completamente. Fator esse que se aplica à literatura e a seus intrincados meandros
estilísticos que parecem, para muitos autores, ser um processo contínuo de
sofrimento, demora e frustração.
Para Homero Gomes esse
processo longo de escrita e reescrita pode ser análogo ao trabalho de Sísifo,
mas o ato de escrever alcança significados mais idiossincráticos. Homero Gomes
nasceu em Curitiba em 1978. Publica em vários periódicos e em 2013 publicou seu
primeiro livro, Solidão de Caronte
(Patuá, poesia). No dia 21 de junho deste ano Homero Gomes publicou seu
primeiro livro em prosa, o volume de contos Sísifo
Desatento (Terracota, 156 pág.) no Paço da Liberdade, em Curitiba.
O livro é composto por
28 contos divididos em quatro seções e mais uma seção no final, uma espécie de
micro novela intitulada O livro
azul-turquesa. Nota-se na maioria dos contos um aniquilamento existencial
do indivíduo de diversas formas, como no conto Fulano de Tal, que abre o volume:
Então, arrastou a de
coxa tatuada para outro lugar. Por causa do ar da noite, a de coxa tatuada
estava receptiva. Ele não quis saber de risos nem de motivos. Não esperou por
ela. Conseguiu o que pretendia surdamente enquanto perguntava seu nome: Olga.
Saiu caminhando pelo centro da cidade prestes a amanhecer. A província
amanheceu. (p.18)
Há uma solidão da qual
os personagens dos contos não conseguem, ou não querem, ou não podem, se
livrar. Os ambientes urbanos são muito bem explorados por Homero, o que confere
um tom bastante soturno às narrativas, repletas por párias, estupradores e
seres que perambulam, geralmente por ruelas escuras, em busca de algo; seja de
afeto, de prazer ou de algo ainda não descoberto. A questão da não existência
do indivíduo ou, da noção de inexistência metafísica, é muito recorrente.
Um dos pontos altos do
livro são as epígrafes presentes em cada conto. Desde Maurice Merleau-Ponty à
banda de heavy metal Metallica. Homero além de se mostrar um competente criador
de imagens e situações, mostra que assimila bem questões caras à
pós-modernidade, como o embaralhamento formal e estilístico e a ruptura com formas
tradicionais e estanques de narrativa.
No início de cada uma
das 4 seções do livro há uma introdução, uma espécie de “voz” que se pronuncia,
não sobre o que o leitor está prestes a encontrar, mas simplesmente reflexões,
ao melhor estilo nonsense possível,
que de forma bastante poética confunde, instiga e provoca a capacidade de
leitores atentos. Essas questões todas estão envoltas em sombras que não se
dissipam em momento algum, criando assim uma tensão extra que pouco a pouco é
desvendada (ou não) pelo leitor. Em um dos melhores contos do livro, Aquilo, o flerte com atmosferas
labirínticas e noir se evidencia.
O quarto estava mal
iluminado. Nele, apenas uma pequena vela
sobre uma cadeira e um colchão imundo. O
quarto não possuía janelas, não seria possível para um ser humano viver ali. (p.
38)
Em conversa recente com
o autor durante o lançamento de Sísifo
Desatento, Homero Gomes diz ter levado mais de dez anos na escrita e
lapidação dos contos do livro. Homero não poderia ter escolhido título melhor
para o livro, que define a obra como um todo, ou seja, o trabalho de Homero
Gomes se evidencia no fato de não se preocupar em dar um ponto final definitivo
em seus textos, deixando lacunas. É um movimento arriscado na narrativa curta
e, mesmo discordando de uma ou outra escolha estilística, Homero Gomes está
mais atento que nunca.
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