(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Janeiro 2015)
Os leitores de poesia
estão cada vez mais restritos aos meios acadêmicos, salvo alguns grupos
alternativos isolados, como o bom grupo Epopeia, de Curitiba. Há mais restrição
ainda quando se trata da poesia produzida em Curitiba, pois o público
curitibano é autofágico, além de o gênero poético não ser muito popular.
Em Curitiba há os
clássicos medalhões que boa parte do público conhece (pelo menos os nomes) que
fazem parte da cena local, como Helena Kolody, Paulo Leminski, Marcos Prado
(mais comentado do que lido) e outros que fazem parte de antologias hoje só encontradas
em sebos, como Rocha Pombo e Emiliano Perneta.
A poesia brasileira atual
é bastante heterogênea, e em Curitiba não é diferente. Há um número bastante
razoável de bons poetas na ativa, como Luiz Felipe Leprevost, Renato Vieira
Ostrowski, Willian Tecca, Ivan Justen Santana, Álvaro Posselt, Luci Collin,
Ricardo Pozzo, Otto Leopoldo Winck, Marcelo Sandmann e vários outros.
Dos poetas mais relevantes
de sua geração, Marcelo Sandmann transita entre a academia e a música popular,
entre o lirismo e uma espécie de pós-concretismo. Marcelo Sandmann nasceu em
Curitiba, em 1963. Professor de literatura da UFPR, publicou Lírico renitente (Rio de Janeiro:
7Letras, 2000), Criptógrafo amador
(Curitiba: Medusa, 2006), Na franja dos
dias (Rio de Janeiro: 7Letras, 2012) e A
fio (Rio de Janeiro: 7Letras, 2014).
A
fio
é composto por 37 poemas e Sandmann transita entre versos livres, sonetos,
alexandrinos, demonstrando domínio notável do fazer poético em formas diversas.
Como domina com precisão a forma fixa, Sandmann provoca o leitor a forçar seu
repertório poético e a desvendar seus meandros intrincados.
Há em boa parte dos poemas
um flerte com o óbvio em que, em várias situações, lembra Drummond. Inclusive
há algumas citações ao mestre de Itabira. No poema Orgulho da influência nota-se essa recorrência.
O
poeta ideal?
Drummond,
Pelo
crivo de Cabral.
(P.
33)
Há de se levar em
consideração em vários poemas a preocupação com a metalinguagem, como no poema Menos que menos.
Menos,
Eu
quero menos.
(Menos
que menos.)
Das
reticências,
um
ponto
apenas.
Somente
o mínimo, o ínfimo.
Talvez
nem mesmo,
por
exagero,
o
pingo no
i.
(p.39)
No poema Elpenor Revisited (take 5) é
interessante o encontro entre erudição e informalidade, o que aponta certo desapego
com formas poéticas tradicionais. Sandmann assimila com propriedade rupturas
com o tradicional tão presentes na chamada pós-modernidade, assim como no belo Última ceia, no qual há uma releitura
do mito bíblico, o que também ocorre no poema Dois excertos bíblicos (primeira e segunda quedas).
Poeta extremamente
relevante no cenário brasileiro atual, Marcelo Sandmann mostra ter domínio da
técnica poética desde poemas mais elaborados, com formas fixas, a versos
livres, mais leves que flertam com o óbvio do cotidiano.
Última
ceia
E
eis que algumas palavras
Saltam
para fora
De
um rio caudaloso e barrento
E
estatelam-se na pedras
E
ressecam ao sol
Peixes
que salgo
Com
o suor do meu rosto
Preparo
Reparto
Mastigo
Aqui
com vocês
Nesta
mesa comum
Ainda
uma vez
Nossa
última ceia.
(p.56)
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