(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Julho 2014)
Em tempos de grandes
polêmicas com relação à censura de biografias é preciso prudência por parte dos
autores. Há diversos casos de disputas judiciais intermináveis que se estendem
há tempos e ainda sem previsão para acabar. Nomes da música popular brasileira,
da dramaturgia, literatura e de diversas áreas distintas da cultura pop
passaram a vetar certas visões de seus biógrafos, consideradas por eles,
biografados, ou por seus herdeiros, não muito ortodoxas, dando a entender,
dessa forma, o desejo por uma abordagem mais “chapa branca”.
Em setembro do ano
passado o escritor Domingos Pellegrini passou a divulgar pela internet um livro
que havia escrito sobre Paulo Leminski. O motivo da divulgação de seu livro ter
sido feito, a princípio, pela internet
foi a censura por parte de Alice Ruiz e suas filhas com Leminski, Áurea e
Estrela. Alice Ruiz alegou que o livro de Pellegrini passava uma imagem muito
forçada de Leminski, enfático demasiadamente em seu problema com álcool e seu
desapego material.
A postura um tanto beat de Leminski, baseados, bebida,
pobreza, nunca foi novidade para ninguém, muito menos aos seus leitores. Não
aos conhecedores de sua vida, mas aos seus leitores de fato. No livro Minhas Lembranças de Leminski (Editora
Geração. 199 p.) publicado no início de junho, Domingos Pellegrini faz um
apanhado geral de sua relação com o “Polaco” (como Leminski é tratado no livro).
No breve relato
Leminski é transformado em personagem, não sendo apenas um biografado.
Personagem com voz própria, reflexões e opiniões contundentes sobre tudo que vê
(de fora, pois já morreu há 25 anos). O acerto de Pellegrini no livro é
basicamente na estrutura, conferindo à obra meio tom de romance e meio tom de
biografia. Os narradores são alternados de capítulo para capítulo. Há o
narrador Leminski, ou o Polaco, e o narrador Pellegrini, ou o Pé vermelho. Os
pontos altos do livro, no entanto, são as reflexões do personagem Leminski
sobre alcoolismo, cultura, literatura, política que são compostas por um humor
ímpar, e isso Pellegrini faz muito bem.
Pellegrini é muito
competente ao atribuir certas características ao Polaco sendo esse Leminski um
personagem de ficção baseado no Leminski real. Entretanto, muito de suas
lembranças de Leminski parecem especulação, mostrando um narrador (Pellegrini)
preocupado em passar uma autoimagem acima de qualquer suspeita, correta, de bom
rapaz. É evidente o domínio da técnica narrativa de Pellegrini, mas nos
momentos em que a ficção cede espaço ao real, ele torna-se um tanto piegas e
superficial. Não superficial em sua leitura sobre a obra de Leminski, que
inclusive é bastante apurada, mas superficial sobre questões pessoais.
No final do livro, na
seção intitulada Posts, Pellegrini
reproduz na íntegra um e-mail de Alice Ruiz, no qual discorre sobre seus
motivos por vetar a publicação do livro.
Caso não arrede pé do
seu ‘estilo’ detrator do Paulo pessoa, fique à vontade para isso (publicar na
internet). Não somos movidas a ameaças. A decisão é sua. (p. 190)
Autorizada ou não
autorizada a obra está publicada e tem certa importância. Por mais que
Pellegrini se supervalorize alegando ser criativo e inventivo, ele não deixa de
ter certa razão em sua originalidade. Talvez ele tenha razão, também, ao
afirmar que o formato de seu livro, nada convencional para uma biografia,
agradasse, principalmente, ao próprio Leminski.
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