(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Dezembro 2014)
Escrever sobre o ato de
escrever não é novo nem original na ficção, mas tema recorrente abordado por
diversos escritores. João Cabral de Melo Neto, Drummond, Vergílio Ferreira,
Cristóvão Tezza, Cezar Tridapalli se ocuparam, em algum momento de suas
respectivas produções literárias, com a metalinguagem. Escrever sobre o ato de
escrever parece não interessar tanto um público não afeiçoado à literatura mais
elaborada, pensada, com enigmas deixados para o leitor, mas mesmo assim foi
tema bastante explorado por autores diversos.
Para ficar em nossas
paragens, fora os já citados Tezza e Tridapalli, Otto Leopoldo Winck é um dos
escritores que se ocupou com a metaliteratura no belo Jaboc (Garamond, 317 pag.), romance de 2006 que só agora descubro.
Otto Leopoldo Winck nasceu no Rio de Janeiro, em 1967. Winck vive em Curitiba
desde anos 80. É doutor em estudos Literários pela UFPR e professor de
literatura na PUCPR. É poeta, contista e romancista.
Joboc,
seu primeiro romance, narra as desventuras de um professor universitário que,
em meio a leituras de Fernando Pessoa e muito blues de Muddy Waters, Robert
Johnson, Jimmi Hendrix e tantos outros, está escrevendo um romance, e esse
processo de escrita é repleto de percalços, sofrimento e muito álcool. O livro
que o protagonista escreve é sobre um homem que está escrevendo um livro,
técnica denominada de mise en abyme, história
dentro da história.
Durante toda a
narrativa há referências sugeridas, mas facilmente identificáveis, a Curitiba e
à cena literária local, com suas batalhas de ego de escritores provincianos,
com suas pequenezas e idiossincrasias. É interessante ressaltar que Winck
critica essas pequenezas literárias à distância, através de seu personagem, o
que lhe confere certo distanciamento ao apontar as mazelas e mesquinharias
literárias de um meio pretensamente erudito, mas que ao ser ironizado, nada
mais é do que um desfile de escritores blasé
que buscam, desesperadamente, terem mais relevância do que suas próprias obras.
Conforme a ação vai
transcorrendo, o protagonista vai sofrendo uma espécie de mutação em seu modo
de agir, pensar, escrever. De acadêmico de reputação ilibada, trabalhador
assíduo e bem quisto no departamento de letras de uma universidade particular a
funcionário relapso, mal vestido, deprimido, beberrão e imerso no seu projeto particular
de escrever um livro a qualquer preço. Somada a frustrações profissionais, há
também uma iminente crise temporal, pois sente-se velho e já impossibilitado de
relacionar-se como era no passado. O símbolo disso é a relação que inicia com
Virgínia, sua aluna do primeiro ano de Letras, linda e transbordando juventude,
como se fosse seu nêmesis.
Uma das chaves (ou
dicas sutilmente deixadas por Winck) para a compreensão do romance é seu título,
que é uma alusão a Jacó, personagem do antigo testamento que em uma luta com um
anjo misterioso muda completamente seu modo de agir se rendendo ao chamado
divino, o que é uma bela metáfora ao fazer literário, pois simboliza a imagem
do escritor em uma batalha feroz com as palavras. Se o escritor se rende ou
não, não é relevante, mas sua forma de buscar seu momento nevrálgico é o que
vale no fim.
A questão de sempre
estar fazendo a mesma coisa sem ter resultados é bastante evidente no romance, sendo
simbolizado pelo mito de Sísifo, que segundo a mitologia grega, levava uma
enorme pedra ao alto de uma montanha. A pedra rolava para baixo e Sísifo a
levava para o alto da montanha novamente e assim sucessivamente, sem nunca
acabar. Portanto, a batalha do protagonista com as palavras e com o fazer
literário é simbolizada pelos mitos de Jacó (hebraico) e Sísifo (grego).
Jaboc
é o romance de estreia de Otto Leopoldo Winck e no ano de seu lançamento, 2006,
venceu o Prêmio Nacional de Literatura Academia de Letras da Bahia. Com domínio
da técnica narrativa e com repertório teórico bastante vasto, ao qual Winck
recorre com frequência durante todo livro, Jaboc
em momento algum é enfadonho ou soa pretensioso, pelo contrário, é ágil e a
leitura flui do início ao fim. Winck acertou a pena neste seu primeiro romance e
espero que Jaboc não tenha sugado
toda sua energia.
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