Certa vez, ainda durante a graduação, um professor afirmou que Curitiba era a capital dos contistas. Muito devido a Dalton, pois o vampiro era e continua sendo um mestre que influencia e habita o imaginário coletivo da província, mas o professor também atribuía aos novatos, baseado em suas leituras de contistas mais novos, certo medo de se aventurarem na narrativa mais longa.
Discordando um tanto do
professor, me deparo com frequência com contistas que não parecem, de forma
alguma, serem temerosos em partir para narrativas mais longas, densas ou
complexas, mesmo porque narrativa longa não é sinônimo de densidade ou
complexidade. Vários dos bons contistas curitibanos (ou que produzem aqui) se
aventuram nesse gênero ingrato por terem certo domínio da técnica da narrativa
mais concisa. Bons exemplos de uma safra nova e muitíssimo competente de
contistas são nomes como Rui Werneck de Capistrano, ReNato Bettencourt Gomes,
Paulo Sandrini, Severo Brudzinski, Homero Gomes e vários outros.
Naturalmente às vezes
criamos expectativas demais e nos decepcionamos com alguns escritores, caso de
Márcio Renato dos Santos. Curitibano, nascido em 1974, Márcio Renato dos Santos
é jornalista e mestre em Estudos Literários pela UFPR. Publicou seu primeiro
trabalho de ficção em 2010, o belo livro de contos Minda-Au (Record, 2010. 80 págs.) Seu trabalho como contista nesse
primeiro livro é bastante interessante, mostra um escritor preocupado com a
forma e cuidadoso em não soar pseudo-experimental.
Já em seu livro Golegolegolegolegah! (Travessa dos
Editores. 2013, 72 p.), Márcio Renato dos Santos deixa a desejar. O breve
volume é composto por seis contos que são bastante ágeis, o que torna sua
leitura fácil, mas enfadonha. Há durante todo o livro uma necessidade de soar como
um autor pós-moderno, nonsense, o que
depõe contra o livro como um todo, pois tudo é muito forçado, engessado,
repleto de amarras estilísticas que se perdem no vácuo deixado pelo autor.
No conto Você tem à disposição todas cores, mas pode
escolher o azul, o narrador assume um tom confessional, ele narra o que vê
da maneira que bem entende para um possível interlocutor. Há abertamente a
questão da metalinguagem, o que por vezes salva um ou outro fragmento. A
coloquialidade é uma constante em vários contos, o que a princípio começa bem,
mas depois torna-se cansativa e um tanto forçada.
A questão do
distanciamento entre as pessoas, da ausência de comunicação na era moderna são
motes dos contos como se fossem vozes que permeiam toda a obra. O conto Digital reverb delay é um dos bons
contos do livro, digno do autor de Minda-Au.
Nesse texto o narrador tem consciência de sua limitação como pessoa e de sua
impossibilidade em se comunicar.
Mas, tenho de admitir,
o que sempre me deixou calado foi a sensação de que eu nunca tive nem tenho
nada a dizer, nem como dizer e, por isso, não precisava falar. Afinal, a gente
abre a boca pra dizer as coisas, não é? Como nunca tive nada a dizer, minha
opção sempre foi pelo silêncio. (p.32)
O narrador admite não
ter absolutamente nada a falar, e esse nada o representa. Há um embate
existencial bastante significativo nesse conto.
O conto que segue, Nevoeiro, é o mais relevante do livro.
Nesse conto há a constatação do narrador de encontrar-se consigo próprio em
todo lugar. A questão da empatia aparece aqui como uma espécie de antídoto
contra a incomunicabilidade entre as pessoas. A predominância do plano onírico
se sobressai ao plano real, dando a entender que o indivíduo apenas sonha em se
comunicar, em sair de sua redoma imaginária, e não age por medo ou por algum
motivo qualquer. O narrador diz não saber se sonha ou se de fato aconteceram as
ações que narra.
Também parei de sonhar.
O intervalo entre deitar na cama e acordar no dia seguinte era preenchido
sabe-se lá com o quê. Eu não tinha mais insônia. Nem sonhos. (p.48)
A atmosfera onírica
confere ao conto uma densidade ainda não experimentada nos contos anteriores. O
grau de sugestão (as ações são sugeridas) são bastante relevantes para a
composição da narrativa.
Os dois últimos contos
do volume, Zé Ruela e Cento e noventa, não se diferenciam
muito dos primeiros, ou seja, nada muito relevante na forma nem no conteúdo, o
que, até certo ponto, é um aspecto positivo, pois Márcio Renato dos Santos não
é um escritor conteudista.
Um aspecto bastante
relevante do livro é seu projeto gráfico, que é belíssimo. Aliás, é praxe da
Travessa dos Editores fazer ótimos projetos gráficos. O livro é composto por
belas ilustrações de Marciel Conrado. Mesmo que Golegolegolegolegah! apresente mais erros do que acertos, Márcio
Renato dos Santos é um dos contistas relevantes da nova geração da literatura
brasileira.
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