(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Agosto 2014)
Superar ou manter a
qualidade do primeiro livro é uma tarefa árdua e, muitas vezes, ingrata. É
bastante comum entre escritores iniciantes o inverso, ou seja, renegar o
primeiro livro e nunca mais reeditá-lo. Quando se publica o primeiro livro
muito cedo esse é um risco que se corre. Caso de vários escritores, como Moacyr
Scliar, Dalton Trevisan, Cristovão Tezza, Mariel Reis e inclusive este
narrador.
Quando a primeira obra
de algum escritor já foi escrita com certo domínio formal e estético a situação
é diferente tanto para o autor da obra quanto para seus leitores. Caso de
Carlos Heitor Cony com O Ventre,
Almeida Faria (escritor português que publicou seu primeiro romance, Rumor Branco, aos dezenove anos, e foi
muito bem aceito pela crítica), António Lobo Antunes com Memória de Elefante e o escritor curitibano Cezar Tridapalli com Pequena biografia de desejos, que
publicou recentemente seu segundo romance, O
Beijo de Schiller, vencedor do Prêmio Minas Gerais de Literatura 2013 (Arte
e Letra, 272 páginas).
Cezar Tridapalli faz
parte de uma prolífica geração de escritores contemporâneos que estão assumindo
certa identidade literária nas narrativas mais longas, algo não muito comum em
Curitiba ultimamente. Fora Cristóvão Tezza, que já é conhecido nacional e internacionalmente,
temos em Curitiba bons romancistas não muito conhecidos do público, como Paulo
Sandrini, Rui Werneck de Capistrano e Cezar Tridapalli, que têm obras
relevantes não só no cenário local, mas são nomes que se enquadram na moderna
narrativa brasileira.
Em O Beijo de Schiller, Tridapalli mistura vozes em uma trama
intrincada e original, na qual há um flerte com o nonsense. Seu protagonista, Emílio Meister, é um escritor
curitibano reconhecido pela crítica que atravessa uma crise em seu casamento e
tem uma péssima relação com sua filha. Na volta de uma viagem a Santa Catarina,
Emílio e sua esposa, Eugênia, são sequestrados por um jovem delinquente que
passa a conviver com o casal em sua casa em Curitiba. À medida que o tempo vai
passando o casal passa a aceitar a presença do jovem sequestrador em seu
cotidiano e desiste de tentar descobrir o motivo pelo qual o jovem os
sequestrou. O sequestrador parece devolver, inconscientemente, certa noção de
ordem e paz ao casal atormentado pelo cotidiano.
Paralelamente à
história de Emílio Meister e de seu sequestrador, há a história de Luka,
protagonista do romance que Meister está escrevendo. Luka é um jovem arquiteto
de 25 anos com orientações homoafetivas extremamente tenso e ainda virgem. Luka
sente-se atraído por homens e mulheres, e durante as intervenções da história
de Luka na história de Meister, notam-se fortes elementos sobre o fazer
literário que são muito bem explorados por Tridapalli.
Como a relação de
Meister com Eugênia é extremamente conflituosa, repleta por fortes embates,
acusações, desafios intelectuais e discussões, vários dos impropérios que
Meister dirige à Eugênia aparecem no romance que escreve. Um dos elementos mais
bem explorados por Tridapalli é exatamente a metaliteratura, que forma um
painel narrativo bastante denso. A polifonia torna O Beijo de Schiller um romance bastante original, pois vários dos
encaminhamentos narrativos de Tridapalli foram escolhidos na medida certa, sem
malabarismos estilísticos irresponsáveis. Obra de extremo valor estético
escrita por um verdadeiro cultor do bom gosto, O Beijo de Schiller é um dos romances mais relevantes deste ano.
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