Há alguns meses escrevi
um artigo sobre o romance Pequena
biografia de desejos, do curitibano Cezar Tridapalli. No artigo, além de
falar muito bem do romance de Tridapalli, atentei para o detalhe de que sinto
falta, em Curitiba, de romancistas relevantes que não sejam tão difundidos pela
mídia. Resenhei muitos poetas e contistas, mas poucos dos jovens escritores que
li se aventuraram pela narrativa mais longa.
Quando me deparo com um
livro de algum escritor underground desconhecido para mim fico apreensivo e com
expectativas. É bastante comum alguns escritores não corresponderem às
expectativas, mas quando correspondem, vale todo sacrifício de ler de forma
mais atenta, com lápis na mão.
Rui Werneck de
Capistrano é um dos escritores que correspondeu às expectativas. Até diria que
foi além das expectativas. Werneck nasceu em Curitiba. É publicitário e já
publicou Máquina de escrever (1988), Tal de tanto de tal de dois mil e tonto - e
outros tantos (1997), Ovos do Ofício
(1998), O Conselho – o julgamento
(1999), Nem bobo nem nada (2009).
Seu trabalho mais
interessante com certeza é Nem bobo nem
nada, romance ou “romancélere”, como definiu o próprio Werneck, formado a
partir de fragmentos nos quais não há um narrador. Os 150 capítulos são as
impressões, opiniões e confissões de um pintor de paredes que escancara seu
cotidiano relativamente banal ao leitor. Adultério, violência urbana, tédio na
vida conjugal, relação distante com os filhos são alguns dos elementos
principais que o protagonista anônimo relata a um interlocutor também anônimo.
Cara,
você precisa ver a outra: sabe quando se acha a mulher que a gente sonhou
mesmo? Carinhosa, tá sempre perto de mim, sempre. Carinhosa em tudo, entende? A
mulher sempre foi fria. Nunca deu carinho. Mas, ela... a outra é o que eu
sempre quis. Em tudo. (p. 28)
É através de pequenos
flashes como esse que toda a narrativa é formada. O protagonista anônimo é
apenas mais um entre tantos outros anônimos que vivem as pequenas banalidades
do cotidiano. Werneck consegue um efeito de coloquialidade nesses insights do pintor se utilizando de uma
linguagem extremamente concisa, direta e nada adjetivada. O efeito da concisão
e da coloquialidade na linguagem do pintor é uma reprodução fiel da fala informal
e sem floreios formais, muito próximo do fluxo de consciência como um turbilhão
de ideias não muito organizadas. O protagonista fala o que lhe vem à cabeça sem
pensar muito. O interlocutor pode ser o próprio pintor, ele pode estar
dialogando consigo próprio em um solilóquio que não dá abertura
(propositalmente) a interrupções externas. Bela jogada de foco narrativo.
Nem
bobo Nem nada é um bom exemplo de literatura
contemporânea. Werneck demonstra ter assimilado muito bem alguns elementos da
pós-modernidade, como a ruptura com formas mais tradicionais do romance,
narrativa construída por fragmentos que se completam e aos poucos vão abrindo
lacunas para significados diversos. Livro bastante original, Nem bobo Nem nada tem cada elemento no
lugar certo, sem exageros estilísticos. É com extremo bom gosto que Rui Werneck
de Capistrano mistura nesse mosaico suburbano os elementos que o fazem um
grande prosador.
Nenhum comentário:
Postar um comentário