(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Abril de 2014)
Há muito tempo ouço o
nome Jamil Snege e o associo a uma Curitiba não descoberta. É como se Jamil
Snege fosse algum tipo de entidade atemporal e intocável que muita gente
comenta, mas poucos leram. Mais ou menos como Proust. Salvo distanciamentos
óbvios, o nosso Proust, o das araucárias, faz jus aos diversos comentários e
elogios de escritores e leitores do “turco”. Snege é cultuado em um circuito
literário bastante restrito, tendo influenciado toda uma geração de escritores
como Fábio Campana, Cristovão Tezza, Miguel Sanches Neto, Joca Reiners Terron e
vários outros.
Meu primeiro contato
com a obra de Snege foi um tanto tardia, por volta de 2006, no final da
graduação. Fiz um curso sobre ficcionistas paranaenses contemporâneos e no
programa de leitura estava Como eu se fiz
por si mesmo, de 1994. Deliciei-me em uma noite (com uma fotocópia) com
esse relato franco, escrachado, de um humor fino e ácido, sobre as agruras e
peripécias de um escritor praticamente desconhecido em uma Curitiba apática,
“mãe que nos engendra e nos devora, nos inventa e nos esquece”...
Desde o longínquo
primeiro contato com a obra de Snege, através de uma fotocópia que já se perdeu
com o tempo, não tive muitas chances de ler sua obra por falta de exemplares
disponíveis. As obras estão esgotadas há muito e o que se encontra em sebo,
quando se tem sorte, é muito caro.
Há pouco mais de um mês
passei pela livraria Arte e Letra e, desses acasos da vida, me deparei com
algumas obras de Jamil Snege à venda. A primeira sensação foi de estranhamento
(até cocei os olhos para ter certeza do que estava vendo) e realmente os livros
estavam dispostos em uma mesa e disponíveis para quem quisesse comprá-los.
Naturalmente o valor estava bastante alto, cerca de R$50,00 cada exemplar, o
que não é tão caro comparado a valores cobrados em sebos e em livrarias
virtuais. Diante de minha visível perplexidade, o solícito proprietário da
livraria explicou que a família de Snege havia disponibilizado cerca de 500
exemplares de seu próprio acervo para a venda. Ideia brilhante. Dias depois as
obras já estavam esgotadas, mais uma vez.
Saí da livraria com os
livros O jardim, a tempestade (1989);
Viver é prejudicial à saúde (1998); Como tornar-se invisível em Curitiba
(2000) e com um sorriso de satisfação. Li demoradamente cada um dos livros. Não
quis ler avidamente pois sabia que não encontraria outras obras de Snege tão
fácil. Viver é prejudicial à saúde me
encantou desde as primeiras linhas. Incrível o poder de concisão de Snege nessa
novela que narra o cotidiano sem graça e vazio de um arquiteto em fim de
carreira. O jardim, a tempestade já
revela um Snege lírico que flerta com a prosa poética em narrativas curtas.
Como
tornar-se invisível em Curitiba é uma coletânea de
crônicas publicadas na Gazeta do Povo e em outros periódicos de Curitiba. As
crônicas do volume são verdadeiros tratados sobre assuntos dos mais variados,
desde fim de relacionamentos problemáticos à apatia intelectual e artística da
cidade. É recorrente nas crônicas de Snege críticas nada veladas à classe média
sem conhecimento e alheia a tudo que acontece na “província”. Em uma das
crônicas mais relevantes do livro, “A arte de tocar piano de borracha”, Snege
escreve:
A historinha retrata
com alguma maldade a nossa velha Curitiba de guerra. Um piano de borracha à
sombra dos pinheirais. Se você quiser tocar, pode. Mas não vá exigir que alguém
escute. Ninguém viu, ninguém ouviu e quem ouviu fingiu que não viu. (p.73)
É como se sentia Snege.
Não foi por falta de oportunidade que o velho Jamil não publicou seus livros
por grandes editoras. Foi pura resistência, seu modo de protestar contra a
ignorância, apatia e obtusidade de uma cidade que amava.
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