Quando a autora desta obra diz, "sou gaúcha que não tem paradeiro", entendo-a de fato como um gaudério, aquele que veio ao mundo, como ela mesmo diz, sem paradeiro. Hoje vive aqui, “amanhã sabe-se lá. Certo é que escreverei até o fim, pois sempre haverá emboscadas”.
Mesmo
inquieta, Kátia sempre está sujeita a emboscadas, pois acaba se envolvendo com
movimentos literários, e não existe terreno mais perigoso do que este, o da
arte por si só, sem ambição, já que ela não se enquadra entre os escritores que
buscam fama e dinheiro.
Em Emboscada (Vespeiro Edições) ocorre, com certeza, o nascimento (que faz jus ao seu
sobrenome) de uma nova forma de escrever, numa espécie de simbiose, como nas
plantas, uma associação em que ambas as espécies dependem uma da outra,
recebendo benefícios mútuos.
No poema
que abre o livro e dá título à obra, Kátia Nascimento diz a que vem, afirmando
através da boca do personagem que “a vida, de tocaia, espreita na porta de
casa. O universo conspira para que finalmente alguém pague a conta”.
No conto Araucária, a autora diz “há tanto
tempo nesta cidade e não havia ainda se permitido desfrutá-la, contemplá-la”...”o
trauma infantil virou adulto. E ela segue treinando para ser feliz.”
Já no conto Inóspito café, Kátia dá voz à Valentina, mulher universal que “por
necessidade, passou a vida oprimindo vaidades”. Também que "discriminada porque sabia
conjugar verbos perfeitamente”; ou"ela não consegue disfarçar o que sofre por
permitir” e Valentina se conforta com o pouco ao se autoanalisar para dizer que
“a vida é como um passar café. Opta-se pela qualidade da água, do café e do
coador. Até mesmo do bule. E esta alquimia é a arte". É aqui que Kátia
Nascimento se torna coautora de si mesma quando busca a própria arte, o fazer
literário, mesmo ciente de que “ainda sofremos o fardo de ser mulher. Se não
podemos ser o que somos, é realmente um fardo”.
Quando se
refere à morte, na forma poética, a autora fala dela, a Morte, com uma
interrogação: “Há sentimentos que se assemelham à morte. E, como morte,
deveriam ser interrompidos?” Neste ponto Kátia vai além, quando no conto O corredor introduz a morte como ela é, inevitável, e se apresenta na família, que não conseguiu ficar junta, de seis filhos, numa espécie de diáspora, foi cada filho, um em cada
canto diferente, porque junto não dava certo, mas tiveram que se juntar em
torno da mãe moribunda, como sói acontecer nas melhores famílias.
Kátia Nascimento coloca o fio de prumo numa espécie
de trilogia, no corredor da morte, desembocando no conto A nudez do pai, em que a enfermidade do protagonista “o deixara com sequelas a lhe perseguir a vida
toda. Frustrado caíra em depressão muitas vezes”, e também ”eu sou vivo-morto –
costumava dizer”.
Porém, nem
só de dor e desamparo é feita a obra, e a autora dá uma guinada de cento e
oitenta graus no conto O banho do pecado, onde se lê que “embaixo do chuveiro
é um dos melhores lugares para pensar, para chorar, e também para ser feliz”.
No conto Culpada, Kátia retorna ao tema principal, pois “a vida é como uma arapuca.
Quase sempre caímos nela. Às vezes fazemos questão de não sair. É preciso
vigiar-se”, e nessa vigília a personagem sente-se culpada ao comprar um
filé-mignon com o parco salário de professora que recebe, sabendo que tantos e
quantos passam fome onde “passou dias com a sensação de que deveria pedir
desculpas por poder comer um filé”.
Kátia Nascimento retorna com o poema Tempo, com esse “pudera voltar no tempo. Transgredi-lo. Enganá-lo. Arrancaria o que
não me permitiu. Pudera voltar. Só voltar. Mostraria do que sou capaz. No
viver. No corpo. No espírito. Provaria como sou intensa”.
De fato a
autora mostra ser capaz e intensa ao ponto de levar o leitor até o final.
***
Campo Magro, 16 de
maio de 2023.
Renato V.
Ostrowski
Como é difícil falar da morte, não tanto da nossa, mas da ausência de pessoas queridas em nossa vida! Transformar, em palavras, a ferida causada pela tristeza, cura e liberta. Com esta profundidade abordada, também auxilia outras pessoas que vivenciam uma dor próxima, enxergarem seu próprio interior.
ResponderExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ResponderExcluirCoragem e responsabilidade em ser dona do próprio destino. Inspiração para o feminino.
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