(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Agosto 2013)
Alguns dos maiores
escritores da literatura universal se destacaram pelo seu poder de concisão.
Vide os narradores bíblicos, que em poucas linhas e, muitas vezes em poucas
palavras, resumiam dramas dos mais complexos. Caso de Onan, filho do patriarca
Judá, que foi punido com a morte por não querer engravidar a mulher do irmão
morto. Onan ficou conhecido por “derramar seu sêmen sobre a terra”, e onanismo
virou sinônimo de masturbação. Toda essa rede de intrigas e assassinatos é
descrita em poucas linhas no livro de João e ilustra bem essa questão do
narrador parcimonioso que não entrega informações extras ao leitor.
Assim como os narradores
bíblicos descreviam o estritamente necessário, escritores como Ernest
Hemingway, John Steinbeck, Faulkner também se utilizaram de uma linguagem
direta, clara, não adjetivada e jornalística. A chamada Geração Perdida
(alcunha dada ao seleto grupo liderado por Hemingway por Gertrud Stein)
influenciou a geração de 30 no Brasil. O movimento de 30 era engajado
socialmente e a concisão também era almejada pelos jovens escritores como Jorge
Amado e Raquel de Queiróz. Havia a necessidade de “passar a mensagem” antes de
trabalhar com o estético, com a forma.
Vários outros escritores
brasileiros contemporâneos se caracterizaram pelo poder de concisão e pelo uso
da elipse. Exemplo mais bem sucedido atualmente é Dalton Trevisan. Dalton foi
aprimorando sua técnica de concisão ao longo dos anos e seguiu o caminho
inverso da maioria dos escritores que, com o passar dos anos, passam a produzir
textos mais longos.
Na poesia a elipse foi
praticada por nomes dos mais variados, como Bashô (mestre do haicai), Haroldo
de Campos, Décio Pignatari, Paulo Leminski, Alice Ruiz. Vários poetas engajados
da década de 60 também escreviam com uma economia de palavras incrível,
tornando o efeito de sentido uma espécie de elemento fundamental no corpo do
poema.
Dos poetas curitibanos
atuais que trabalham com haicai e com textos minimalistas, Álvaro Posselt é um
dos mais relevantes. Posselt nasceu em Curitiba em 1971. Professor de língua
portuguesa, tradutor, poeta e eventual parceiro deste periódico, Álvaro
publicou em 2012 seu primeiro livro, Tão
breve quanto o agora (78 p., Editora Blanche). No volume Posselt nos
apresenta 59 haicais. Em seus poemas há uma leveza ímpar sem cair no óbvio. Álvaro
Posselt tece considerações filosóficas complexas nas entrelinhas de seus versos
que só seria possível sob a pena de um minimalista nato.
O domínio da técnica do
haicai permite que Posselt trilhe os meandros do gênero japonês com precisão. Assim
como o poeta aponta mazelas sociais e as critica, também ri de acontecimentos
cotidianos que normalmente passam despercebidos.
A
casa treme
Hoje
ela está
Com
TPM
(p.
21)
Há muitas referências ao
fazer poético ao longo de todo o livro. A metalinguagem é tema constante em
vários haicais.
Pode
ver a métrica
Para moldar esses versos
só
com serra elétrica
(p.11)
Neste poema nota-se
claramente a questão da metalinguagem, do fazer poético como um trabalho árduo.
Lembra muito O Ferrageiro de Carmona,
de João Cabral de Melo Neto, que dizia “Só trabalho em ferro forjado/ que é
quando se trabalha ferro/ então, corpo a corpo com ele/, domo-o, dobro-o, até o
onde quero”.
Independente do segmento
poético que Posselt pratique, a qualidade de sua poesia é inegável. Os haicais
de Tão breve quanto o agora são
bastante heterogêneos e mostram um autor preocupado com a forma em todos os
seus sentidos. O trabalho de Posselt nesse livro é bastante visual, pois há ilustrações da artista Luiza Maciel
Nogueira, que servem como um brinde extra ao leitor.
Se já tinha gostado do que lera em O Relevo, agora, sim, gostei mais ainda. Parabéns ao poeta e ao leitor atento, pois ambos tornam-se coetâneos no ato de escrever sucintamente. E bem.
ResponderExcluirObrigado, Escobar. Grande abraço e continue visitando o Távola.
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