terça-feira, 6 de agosto de 2013

TÃO BREVE QUANTO O AGORA: MINIMALISMOS À PARTE


 
        (Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Agosto 2013)
 
Alguns dos maiores escritores da literatura universal se destacaram pelo seu poder de concisão. Vide os narradores bíblicos, que em poucas linhas e, muitas vezes em poucas palavras, resumiam dramas dos mais complexos. Caso de Onan, filho do patriarca Judá, que foi punido com a morte por não querer engravidar a mulher do irmão morto. Onan ficou conhecido por “derramar seu sêmen sobre a terra”, e onanismo virou sinônimo de masturbação. Toda essa rede de intrigas e assassinatos é descrita em poucas linhas no livro de João e ilustra bem essa questão do narrador parcimonioso que não entrega informações extras ao leitor.

Assim como os narradores bíblicos descreviam o estritamente necessário, escritores como Ernest Hemingway, John Steinbeck, Faulkner também se utilizaram de uma linguagem direta, clara, não adjetivada e jornalística. A chamada Geração Perdida (alcunha dada ao seleto grupo liderado por Hemingway por Gertrud Stein) influenciou a geração de 30 no Brasil. O movimento de 30 era engajado socialmente e a concisão também era almejada pelos jovens escritores como Jorge Amado e Raquel de Queiróz. Havia a necessidade de “passar a mensagem” antes de trabalhar com o estético, com a forma.

Vários outros escritores brasileiros contemporâneos se caracterizaram pelo poder de concisão e pelo uso da elipse. Exemplo mais bem sucedido atualmente é Dalton Trevisan. Dalton foi aprimorando sua técnica de concisão ao longo dos anos e seguiu o caminho inverso da maioria dos escritores que, com o passar dos anos, passam a produzir textos mais longos.

Na poesia a elipse foi praticada por nomes dos mais variados, como Bashô (mestre do haicai), Haroldo de Campos, Décio Pignatari, Paulo Leminski, Alice Ruiz. Vários poetas engajados da década de 60 também escreviam com uma economia de palavras incrível, tornando o efeito de sentido uma espécie de elemento fundamental no corpo do poema.

Dos poetas curitibanos atuais que trabalham com haicai e com textos minimalistas, Álvaro Posselt é um dos mais relevantes. Posselt nasceu em Curitiba em 1971. Professor de língua portuguesa, tradutor, poeta e eventual parceiro deste periódico, Álvaro publicou em 2012 seu primeiro livro, Tão breve quanto o agora (78 p., Editora Blanche). No volume Posselt nos apresenta 59 haicais. Em seus poemas há uma leveza ímpar sem cair no óbvio. Álvaro Posselt tece considerações filosóficas complexas nas entrelinhas de seus versos que só seria possível sob a pena de um minimalista nato.

O domínio da técnica do haicai permite que Posselt trilhe os meandros do gênero japonês com precisão. Assim como o poeta aponta mazelas sociais e as critica, também ri de acontecimentos cotidianos que normalmente passam despercebidos.

A casa treme

Hoje ela está

Com TPM

(p. 21)

Há muitas referências ao fazer poético ao longo de todo o livro. A metalinguagem é tema constante em vários haicais.

Pode ver a métrica

Para moldar esses versos

só com serra elétrica

(p.11)

Neste poema nota-se claramente a questão da metalinguagem, do fazer poético como um trabalho árduo. Lembra muito O Ferrageiro de Carmona, de João Cabral de Melo Neto, que dizia “Só trabalho em ferro forjado/ que é quando se trabalha ferro/ então, corpo a corpo com ele/, domo-o, dobro-o, até o onde quero”.

Independente do segmento poético que Posselt pratique, a qualidade de sua poesia é inegável. Os haicais de Tão breve quanto o agora são bastante heterogêneos e mostram um autor preocupado com a forma em todos os seus sentidos. O trabalho de Posselt nesse livro é bastante visual, pois há ilustrações da artista Luiza Maciel Nogueira, que servem como um brinde extra ao leitor.

2 comentários:

  1. Se já tinha gostado do que lera em O Relevo, agora, sim, gostei mais ainda. Parabéns ao poeta e ao leitor atento, pois ambos tornam-se coetâneos no ato de escrever sucintamente. E bem.

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  2. Obrigado, Escobar. Grande abraço e continue visitando o Távola.

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