domingo, 12 de maio de 2013

PEQUENO PERFIL CURITIBANO: NUMA TARDE APOCALÍPTICA E NOUTRA ENSOLARADA



(Artigo publicado originalmente no Jornal Relevo - Maio 2013)

Descobrir autores novos é uma experiência interessante. Ler algum desconhecido que pouca gente leu é um desafio e ultimamente tornou-se uma obsessão. Nas minhas andanças pelas livrarias e sebos de Curitiba em busca de autores curitibanos não contemplados pela grande mídia descobri muita gente. Escritores que estão escondidos em suas alcovas bem longe do público leitor.

Em uma visita à loja das Livrarias Curitiba da Rua XV, num daqueles momentos ímpares em que entramos em uma livraria sem compromisso algum, sem nenhuma pressa, escondido entre Cristóvãos Tezzas e Daltons Trevisans (na seção de autores paranaenses), estava um pequeno volume intitulado Pequeno Perfil curitibano:numa tarde apocalíptica e noutra ensolarada, de Jul Leardini. Mais que prontamente retirei o exemplar da estante e olhei nas outras prateleiras tentando encontrar outros livros do mesmo autor. Não encontrei, e com o livro devidamente comprado, não pude parar de pensar no título, que me encantou. Esse é o perigo em encontrarmos um conterrâneo literato: criamos mil expectativas.

Jul Leardini nasceu na cidade de Cianorte, em 1961, mas veio cedo para Curitiba, com cinco anos de idade. Publicou Contos e Encontros (1991), No Mundo dos seres diáfanos (2003), Pequeno perfil curitibano: numa tarde apocalíptica e noutra ensolarada (2005) e peças de teatro, como Pacto da Mediocridade (2004), O Discurso da América (2004), Aos poucos ouvidos moucos que virão falaremos um pouco da nossa escuridão (1999) entre outras.

Em Pequeno Perfil Curitibano: numa tarde apocalíptica e noutra ensolarada (publicado pela Lei de Incentivo à Cultura), Jul Leardini reúne sete contos que não apresentam nenhuma unidade temática entre si. O conto inicial, que dá título ao livro, passa a falsa impressão de que o autor abordará algumas questões sobre a origem da casmurrice curitibana. Neste primeiro conto Leardini tenta entrelaçar duas narrativas paralelas, mas o resultado é uma breve e rasa tentativa de fluxo de consciência. O título do conto é muito mais denso do que o próprio conto.

O conto seguinte, O herói brasileiro, apresenta diálogos artificiais demais em situações pouco exploradas que acabam se tornando amontoados de acontecimentos que tentam fazer algum sentido. A falta de verossimilhança é uma constante em quase todos os contos. Basicamente, o conto narra uma situação em que um empresário rico da capital vai até uma cidade não nomeada do interior para comprar as últimas terras disponíveis ainda nas mãos de um fazendeiro local. Leardini evidencia o tempo todo um maniqueísmo juvenil e panfletário no qual o explorado (o fazendeiro com princípios morais e éticos) não se corrompe ao poder avassalador capitalista. Leardini também peca na construção destes diálogos entre o empresário e o fazendeiro usando em demasia uma linguagem fora de contexto e o pretérito imperfeito.

Nessa altura, pessimista por natureza, não imaginava que pudesse encontrar algo relevante pela frente. O terceiro conto, O Espelho, faz justiça à força e beleza do título do livro. Conto denso, esteticamente bem construído, alterna duas vozes de um personagem enigmático que faz referência ao assassinato de uma mulher. Durante toda a narrativa há uma atmosfera onírica, delirante e noir que confere uma marca autêntica ao autor. As imagens refletidas em um espelho em estilhaços tratam da questão da dificuldade do indivíduo em se encontrar. É uma belíssima metáfora sobre identidade.

O Espelho é o que o livro apresenta de melhor. A relevância do livro começa e termina com este conto. Os contos que vêm a seguir voltam a apresentar os problemas de estrutura dos contos iniciais. Contradança é composto por uma quantidade absurda de adjetivos, tornando a leitura complicada e aborrecida. A composição da narrativa é descontínua, quase ao nível da redação de vestibulandos.

A seguir vem Tal um, qual outro, conto em que Leardini deixa transparecer pequenas lições de moral sobre honestidade e a culpa daqueles que são desonestos. Isso depõe contra sua literatura, pois não é papel da ficção apresentar conflitos moralizantes para, em um movimento catártico, chegar a um momento nevrálgico. Também há claramente um descontrole, uma falta de domínio do uso do foco narrativo.

Sete de Setembro e O Cisne fecham o volume sem surpreender. Também mostram um autor inexperiente que não domina a técnica narrativa e com exceção do belíssimo O Espelho, não tem muito a dizer na narrativa curta. Quem sabe Jul Leardini guarde um volume inédito seguindo a linha de O Espelho. Minha busca ainda não cessou.

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