A poesia de Antônio Mariano, em seu livro Havia Pássaros em Mim, é um fenômeno duplo e necessário: é um mergulho íntimo no próprio ato de criar e, ao mesmo tempo, uma janela aberta para as urgências do mundo. O título, por si só, já é uma declaração de potência e liberdade. Não se trata de pássaros observados de longe, mas de uma revoada interior, uma vida pulsante que clama por voz e asas. Esse é o cerne da obra: a poesia como práxis vital, uma necessidade orgânica de expressão que nasce do indivíduo mas ecoa no coletivo.
Mariano constrói uma
metalinguagem delicada e profunda. A poesia é investigada em seu processo mais
cru – a página em branco, a palavra escolhida, o ritmo buscado. Ele fala da
"ânsia do verso", da luta para domar o caos em beleza, transformando
a angústia do criador em matéria-prima. Os pássaros do título podem ser lidos
como metáforas desses versos presos, que batem asas dentro do peito do poeta
até encontrarem a fenda por onde escapar e ganhar o mundo. É um livro que
reflete sobre sua própria existência, perguntando-se "para que serve um
poema?" e respondendo, na prática, com a sua própria potência.
No entanto, seria um
reducionismo ler esta obra apenas como um exercício de narcisismo criativo. O
grande trunfo de Mariano é que ele não separa o fazer poético do seu contexto
social. O poeta que olha para dentro descobre que dentro de si habita também o
outro. A gaiola individual transborda para as gaiolas sociais.
Os versos de Mariano são
permeados por uma consciência aguda das desigualdades, das dores silenciadas,
da vida e da resistência cotidiana. Ele escreve sobre "Mandinga bendiga",
sobre as "não zombar de alheia fé/filosofia de lá”, trazendo para o centro
do palco lírico aqueles que muitas vezes são relegados às margens. Sua poesia
não é panfletária; é empática e visceral. Ele não aponta o dedo de longe, mas
coloca a linguagem a serviço de um testemunho sensível e crítico, mostrando que
a verdadeira poesia não pode ser indiferente ao seu tempo.
A linguagem é ao mesmo tempo
acessível e carregada de simbolismo. Mariano trabalha com uma economia de
palavras que não empobrece o sentido, mas o condensa, dando a cada verso um
peso significativo. Há uma musicalidade intrínseca em seus poemas, uma cadência
que remete ao ritmo da fala, mas elevado à categoria de arte. A formatação no
papel, com espaços e cortes estratégicos, guia a respiração do leitor,
convidando-o a fazer parte daquele ritmo interno.
Havia Pássaros em Mim é um
livro completo e comovente. Antônio Mariano consegue o feito raro de falar
sobre a arte da poesia sem se perder em torres de marfim, com ideias firmemente
no chão da realidade humana. É uma obra que celebra a beleza do canto, mas
nunca esquece que há quem não tenha voz para cantar – e é justamente aí que a
poesia encontra sua missão mais nobre: dar asas àquilo que está preso, seja um
verso, seja um grito de liberdade.
***
Daniel Mascarenhas Osiecki nasceu em Curitiba, em 1983. Escritor, editor e professor de literatura, publicou os livros Abismo (2009), Sob o signo da noite (2016), fellis (2018), Morre como em um vórtice de sombra (2019), Trilogia Amarga (2019), Fora de ordem (2021), 27 episódios diante do espelho (2021), Veste-me em teu labirinto (2022) e Atmosfera das grutas (2023). É editor da Kafka Edições. Mestre em Teoria Literária.
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