terça-feira, 14 de junho de 2022

ESSA CURITIBA EU VIAJO

 


Casa de Dalton Trevisan. Curitiba.
Foto: Diana Nagorski


Desde os anos quarenta que paira uma sombra sobre a cidade de Curitiba. Lá do alto da Rua Ubaldino do Amaral, esquina com a Amintas de Barros, no Alto da XV, um vampiro que não aparece durante o dia e persegue inocentes desavisados durante a noite, profetiza: viverão sob minha sombra, pobres mortais! 

A maldição segue viva até hoje. Hoje, dia 14 de junho de 2022, dia em que Dalton Trevisan (lembra uma espécie de corruptela de Transilvânia!) completa 97 anos de idade, mais de quarenta livros publicados em mais de meio século de literatura, ainda o saudamos. 

Que privilégio o nosso de termos o maior escritor brasileiro vivo. É particularmente especial Dalton ser prata da casa, sobretudo por Curitiba ter uma classe média extremamente cafona, deslumbrada, provinciana com laivos de moderna, mas não consegue ser nada além de kitsch e conservadora. Ok, sei que são adjetivos demais, mas é difícil ser curitibano e não se apegar a algumas dessas descrições.

Dalton, do alto de seu quase centenário, viu muita coisa, conheceu muita gente e, falem bem ou mal, é nossa maior referência literária. Ponto. Só um escritor avant la lettre como ele, em meados da década de 40, em uma província na periferia do Brasil, teria capacidade, competência e coragem de criar um periódico como o Joaquim. Lembremos que Curitiba ainda era bastante apegada a uma espécie de simbolismo tardio, sob a batuta (de grandes poetas, diga-se de passagem) de Emiliano Perneta, Dario Vellozo, Antônio Braga, Silveira Neto, Júlio Perneta e outros.

Dalton surge como um furacão, já rompendo com seus antecessores e, como não podia ser diferente, consigo próprio, renegando suas primeiras obras. Emiliano Perneta, um dos alvos preferidos do vampiro, é chamado de "poeta medíocre", na edição de Junho de 1946 da Joaquim. Escreve Dalton:

"Emiliano Perneta foi uma vítima da província, em vida e na morte. Em vida, a província não permitiu que ele fosse o grande poeta que podia ser, e, na morte, o cultua como sendo o poeta que não foi"...

Fragmento que ilustra bem a pena ferina do vampiro e que foi emulado à exaustão por muitas gerações posteriores. Muitos foram bem sucedidos, outros se tornaram verdadeiros pastiches. Outros, ainda vivem à sombra pesadíssima desse vampiro metafísico, desse ser que há décadas é tão gigante quanto sua própria obra. 

E é assim, vivendo sob sua sombra opressora, que saúdo seus 97 invernos nessa província fria, escura e reacionária. A Curitiba do vampiro sim, essa e não a outra, a de verde e amarelo, com amor, viajo, viajo, viajo...

  

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